10.18.2016

APATIA E EDUCAÇÃO: A SUPRESSÃO DA EMPATIA




A apatia é a falta de emoção, motivação ou entusiasmo. É um termo psicológico para um estado de indiferença, no qual um indivíduo não responde aos estímulos da vida emocional, social ou física.
O "Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde", de Luís Rey, registra a palavra apatia como termo psiquiátrico, com a seguinte definição: "Estado caracterizado pelo desinteresse geral, pela indiferença ou insensibilidade aos acontecimentos; falta de interesse ou de desejos".
Apatia provém do grego clássico apatheia. Páthos em grego, significa "tudo aquilo que afeta o corpo ou a alma" e tanto quer dizer dor, sofrimento, doença, como o estado da alma diante de circunstâncias exteriores capazes de produzir emoções agradáveis ou desagradáveis, paixões. Assim, apatheia tanto pode significar ausência de doença, de lesão orgânica, como ausência de paixão, de emoções.
Nos focaremos no texto "Educação após Auschwitz", de Theodor Adorno, que trata do tema da apatia disseminada por meio da educação. Neste texto Adorno coloca como como guia da educação, a premissa "Que Auschwitz não se repita". Durante a segunda guerra mundial milhares de pessoas foram mortas em campos de extermínio nazistas. A segunda metade do século XX, por sua vez, teve inúmeros intelectuais que buscaram entender tal episódio, se questionaram sobretudo como após tantos séculos de "civilização", uma ciência que pregou a evolução como força motriz da humanidade, origina o aniquilamento de milhares de pessoas, que privadas de sua liberdade, suas vidas, tiveram sugados de si, até mesmo o resquício de humanidade.
Segundo Adorno, seria preciso buscar as condições de possibilidade de existência, e principalmente de difusão e adesão a uma ideologia como a nazista. Assim, o questionamento deve ser direcionado ao processo de formação da mentalidade nazista, uma profícua análise de como a apatia se instaurou em grande parte do povo alemão.
O mundo administrado, burocratizado, compreende as pessoas como parte integrante de uma máquina, uma simples engrenagem, necessária, porém, passível de breve reposição. As vontades e desejos particulares são dissolvidas no meio social, vamos nos adequando e negando os nossos desejos primordiais (tema bem explorado por Judith Butler).  Desde o nascimento, podemos perceber a forma como as crianças são impelidas a adequação às normas. Adorno diz:
Quanto mais densa é a rede, mais se procura escapar, ao mesmo tempo em que precisamente a sua densidade impede a saída Isto aumenta a raiva contra a civilização. esta torna-se alvo de uma rebelião violenta e irracional.
Desde a mais tenra idade vamos adquirindo confiança nas autoridades. Logo nos primeiros anos, aceitamos como senhor absoluto da verdade nossos pais. Aprendemos que questionar suas ordens é motivo para represália, a primeira figura de autoridade são os pais, seguidos de professores, e assim sucessivamente, o que ocasionaria uma transferência de responsabilidades, já que estas geralmente são transferidas a outrem.
Deveríamos, segundo Adorno, nos focar nos problemas da  educação infantil, assim como da epistemologia. Nos primeiros anos da vida escolar, aprendemos o nosso lugar no mundo. Como comportar-se, como falar e em última instância, busca-se formatar até mesmo nossas sensações, proibindo e promovendo usos corporais. A escola vai nos formatando, e a partindo dela, aperfeiçoamos e colocamos em prática muitas lições recebidas sobre civilidade. Ainda que uma criança seja bem acolhida em seu lar, ao ingressar na escola, o processo de compreensão do sujeito começa a se dar a partir do olhar do outro, possibilitando a compreensão de si comparando-se com outros, dai surge a percepção de que é mais baixo que outros da mesma idade, caminha de forma diferente, ou até mesmo seu timbre não corresponde ao dos colegas. A escola é o local onde todos os defeitos estão sobre o risco iminente de apontamento, coerção que gera uma auto-vigilância, e coloca a criança na direção do máximo esforço para "se enquadrar" e ser simplesmente mais um dissolvido na massa. 
Por meio da dialética do esclarecimento, os referenciais teóricos, sociais e históricos devem guiar a nossa existência em direção a resistência a massificação da coletividade. Quando os costumes tornam-se violência, a violência torna-se banal. A educação não pode se basear na em processos de força e dominação, esse modelo de educação apenas suprimiria a espontaneidade, visando disciplinar as mentalidades.
Deve-se então se questionar acerca dos processos identitários em formação, lançar a questão já inicia um processo de elucidação sobre a temática. Ao questionar, quebramos a naturalidade, de que a ação é natural. Gerando uma dúvida sobre a gênese da apatia, é dado o primeiro passo para sua erradicação e supressão. Desnaturalizar o banal, problematizar o cotidiano, usos, saberes, práticas.
Os jovens são lançados ao processo de incorporação tecnológica, Adorno já havia advertido que a técnica havia tornado-se um fim em si mesma, hoje em dia não é necessário uma motivação para o consumo desenfreado de tecnologia, sua velocidade de reposição ou troca cresce exponencialmente. A aquisição só adquire valor se atrelada à exposição. É a premissa cartesiana às avessas, invertidas em Compro Logo Existo.
Adorno destaca ainda o que chama de lonely crowd, ou multidão solitária. Texto publicado originalmente em 1967. Os jovens, mais facilmente são diluídos nesta grande sopa que é nossa sociedade contemporânea. O desespero por exposição vêm saciar a inanição de momentos autênticos, onde o eu estava colocado como centro da ação. A interação perpassada por aplicativos, jogos, redes sociais, e outros simuladores de relações ou pretensos facilitadores de contato humano, criam a ilusão de uma realidade expandida, mas ao fim de horas de interação com centenas de pessoas, o que resta é a complicada observação do Eu, que enquanto se vê nú, diante do espelho, percebe que está condenado a interagir consigo mesmo, e nessa condenação, se volta pra tela novamente.
O outro é sempre um outro, e essa demarcação aumenta os níveis de indiferença, e nos aproximamos da premissa do Marquês de Sade, que afirma que, "a maior dor infligida a outrem não tem o poder de causar o menor desconforto em nós, logo é preferível enumeras torturas ao outro do que simples cocegas que incomodem nosso sossego".  
As pessoas cobram o amor dos outros, cobram promessas de um tempo já passado, buscam sentimentos e desejos que elas mesmas são incapazes de cultivar. A individualidade suprime a capacidade de entender o outro, gerando uma conjectura onde todos querem ser desejados, mas não se dispõe a desejar. Para tentar escapar desta aporia, o primeiro passo seria tomar consciência da sua própria frieza, reconhecendo a apatia, não negar seria o inicio de sua extinção. A responsabilidade de si, se origina na auto-reflexão, guiando em direção ao reconhecimento da falta do outro e de si.
Ao se entregar as autoridades, as estruturas da cultura, as pessoas abrem mão de sua própria pessoalidade, abrem mão da capacidade de agir como humanos, livremente, guiado não apenas por externalidades, e sim refletindo e se moldando ad infinitum. O agir e o pensar livre, não se condicionar ao olhar e opinião do outro. Questionar a educação e pensar novos parâmetros de formação é uma emergência de nossa cultura ocidental. Problematizar a apatia, e propor novas relações e formas existenciais são condições de germinação de uma nova forma de existir.  Educação e esclarecimento devem andar de mãos dadas para se chegar a uma emancipação do pensamento e restauração da capacidade de compreender. Adorno e sua atualidade são surpreendentes.
Finalmente, o centro de toda educação política deveria ser que Auschwitz não se repita.







Bibliografia:


ADORNO, T. W. “Educação após Auschwitz”. In: Educação e
Emancipação.  São Paulo: Paz e Terra, 2003. p. 119-138.

SADE, M. A filosofia na alcova. São Paulo: Iluminuras, 2003.

10.13.2016

História do presente da arte ou inconsistência logica?

Há semanas que venho pensando em escrever, mas a correria do dia-a-dia, geralmente serve como desculpa para fugirmos daquilo que realmente queremos. Há dois anos resolvi “abandonar” a filosofia, claro que o abandono deve vir acompanhado de aspas, já que é impossível a dissociação de algo que atuou tão marcadamente na minha formação. Meu modo de ser e pensar o mundo são totalmente atrelados aos referenciais da filosofia, pois não há maneira de se embrenhar pelo pensamento de tantas pessoas ao longo de quatro anos e não ser afetado por isso. Onde quero chegar? No abandono da filosofia enquanto ótica de mundo por uma estetização do cotidiano. Embrenhar-me pela história da arte apresentou ótimos caminhos e me alertou do perigo de caminhar em determinadas zonas sem uma base teórica mais densa, correndo o risco de desnorteado não saber para onde ir, podendo ficar perdido neste caminho apenas por não conseguir encontrar a direção para seguir, ainda que saiba que o destino não há mais.
Como uma das marcas principais, não posso ignorar a genealogia de alguns termos, e em nível mais raso deste tipo de abordagem é perceptível que em uma graduação em História da Arte o foco seja a HISTÓRIA de algo denominado ARTE, embora a arte possa ser amplamente debatida sobre aquilo que é ou deixa de ser, a história pelo contrário é muito bem definida e compreendida pelo senso comum. Alerto que não levo em conta toda a problemática sobre o que é história, já que estudiosos do tema encontram divergências de definir os meandros desta disciplina. Sem me delongar nessa questão, a arte por sua vez é amplamente debatida, sobre o que está ou não nos seus limites discursivos.
Ingressar em um curso chamado História da Arte, me levou a compreender que estaria estudando a história de determinadas manifestações artísticas, levando em conta o discurso de cada época e grupo social no debate do que seria ou não arte, e portanto essas querelas fariam parte do campo da História da Arte. Surpreendi-me ao encontrar os historiadores da arte, com muito mais interesse em delimitar o que é ou não arte, preterir movimentos artísticos ou artistas, utilizar as aulas apenas como espaço para exposição de seu interesse particular de determinada ótica de mundo. Minha decepção foi por perceber que o curso de história da arte pouco preza pela história, ao menos na minha experiência, cruzo quase que diariamente com historiadores que se colocam muito mais no lugar que eu compreenderia como de filósofos da arte.
O currículo do curso se divide em mais de cinquenta disciplinas, dessas, são oferecidas apenas quatro de historiografia da arte. Os alunos, muitas vezes imbuídos pelo despreparo de alguns professores, não compreendem o peso da história, e como essa deveria ser o foco daquele curso. Há necessidade de uma graduação chamada Filosofia da Arte, nesta, acho que caberia espaço para as divagações que ocupa a mente de muitos alunos. Claro que neste caso o currículo deveria ser muito modificado, mas assim forneceria as ferramentas para compreensão das questões de interesse dessa juventude.
Há uma extensa carga de disciplinas que começam com o nome de História das Artes Visuais, que se dividem em “gerais”, do Brasil, da América Latina, orientais, acho que nesta parte é muito rica a grade, mas a abordagem passa muitas vezes por mera exposição de artistas. E o olhar dos alunos está mais interessado em criticar este ou aquele período, ao invés de buscar observar como aquilo foi “gravado” na história da arte. Faltando ainda a discussão sobre memória, apresentando a própria história da arte como um jogo político, no qual o próprio campo é redefinido com o passar do tempo, e essa questão é totalmente atravessada por questões sociológicas, desta forma, compreender o próprio meio, qual está inserido é peça chave para a compreensão do fenômeno de uma forma mais ampla.
Há disciplinas de Arte e Antropologia, sempre com o olhar para o externo, enquanto deveria estar em consonância com problemáticas do próprio sistema artístico da atualidade, assim evitando a criação de uma visão muitas vezes romanceada do que seja o mundo real. Os parâmetros mudaram as mídias, os espaços expositivos, os conceitos, mas tudo isso é perpassado por intensas questões históricas, e desprezar o que antecedeu a atualidade, leva apenas a um debate que não nos cabe, ao menos não com as ferramentas que pensamos possuir.
Arthur Danto, ao se deparar com a Brillo Box de Warhol, questionou o que era aquilo, e compreendo a exposição deste objeto como uma questão da sua contemporaneidade, buscou entender o que era a exposição daquele objeto no espaço de uma galeria. Desde então se voltou para questões da definição do que é arte e suas implicações. Acho muito interessante suas abordagens, seu posicionamento e o refinamento de seu discurso na tentativa de estabelecer critérios de compreensão. A história da arte e amplamente utilizada na compreensão destes fenômenos, assim como da filosofia.
Enfim, queria apenas desabafar acerca da problemática do curso de História da Arte. Acho que o questionamento sobre os parâmetros que definem o campo artístico- assim como a análise crítica de seus postulados muito válido e interessante. Acho que cabe aos historiadores da arte esse papel de problematização do campo, porém, o ponto que quero marcar, é que não compreendo essa questão como a central de um curso que leva História no título. O papel do historiador em primeira instancia é acerca da história, e imbuído nesta, pensa criticamente a reformulação de seus limites. A primazia da filosofia da arte, em um lugar que não é o seu por excelência, leva à algumas confusões, das quais poderiam ser evitadas apenas com a espera de mais leituras e compreensão do processo histórico.
Não tenho interesse em ser um filósofo da arte, meu caminho é muito mais atrelado à história, embora a filosofia ande sempre acima de meu ombro, como uma entidade obsessora, quem seguro a mão é a história. Acho que meu compromisso com ela será muito mais firme e duradouro. Espero que muitos filósofos da arte surjam, quero acompanhá-los e pensar junto. Apenas espero que encontrem espaço mais profícuo para debater suas ideias. Embora a transdiciplinariedade impere, (algumas questões podem e devem ser pensadas para além das barreiras de disciplinas acadêmicas) esse processo deve ser guiado pelos acréscimos de disciplinas e não pelo preterimento daquela que deveria ser central. Excluir a história, na tentativa de fazer filosofia, encaminha em direção a falácias, e uma falácia sem uma boa retórica, corre sempre o risco de cair no ridículo.
Raoul Hausmann. The Spirit of Our Time - Mechanical Head, 1920.



9.17.2016

Retorno

Hoje é dia 18 de Setembro de 2016.

Andei sem postar nada, porém tenho minhas razões. Há tempos comecei um exercício em minhas redes sociais, e no Facebook, por exemplo, toda postagem que iria fazer de texto ou imagem, sempre me interrogava se isso realmente era interessante, e em todas as vezes acabei desistindo de postagens praticamente prontas.

Vivemos em um momento onde todos querem falar, e poucos querem ouvir ou dialogar, usar a escrita como um exercício bobo de exposição de ideias em uma rede social não me anima. Considero que isso seja apenas uma continuidade do que aconteceu com esse blog. Ficar escrevendo em um blog também não deixa de certa maneira de ser um exercício narcisístico. Ainda assim, depois de muito ponderar resolvi voltar a escrever aqui. Não por ter nobres e importantes considerações para o mundo, mas depois de ler um texto do Foucault A escrita de si, conheci o conceito de Hypomnemata. Basicamente era um tipo de anotação que não precisa de referenciais teóricos, seria uma junção de escritos, quais o autor poderia se voltar, ler, reler, meditar e nesse processo o sujeito alcançaria novas nuances do conhecimento de si.

Já fui pra meditação Vipassana, tomei Ayuaska,  participei de cultos religiosos, embora hoje compreenda que minhas busca não é espiritual. A escrita sempre foi importante para mim, embora não domine a gramática como gostaria. Sou obrigado a seguir regras em trabalhos acadêmicos, há anos que estou na academia, cursando filosofia, história da arte, história política, enfim, já devaneei e devaneio em diversas áreas da ciências humanas. O que falta é assumir pra mim um espaço livre para a escrita, onde não tenha que me atentar ao olhar do outro, professores ou orientadores.

Escrevi muitas coisas que guardei pra mim, outras perdi com o tempo, o Blog oferece uma ótima organização, e sei que saberei encontrar o que preciso, e quem sabe daqui há um ou dois meses a releitura de algo, sirva como a hypomnemata e me possibilite uma visão de outro ângulo.

Hoje é sábado a noite, muitos amigos saíram e eu como sempre preferi ficar, nada contra a noite, nada contra o agito, apenas aceito que isso não é pra mim, na maioria das vezes que saio volto pior do que fui. A tristeza latente em alguns rostos me afeta. Não sou feliz ficando em casa e saindo muito menos, por isso prefiro ficar entre quatro paredes.

Vou escrever geralmente sobre Artes Plásticas, já que é isto  é presente em minha vida diariamente nos últimos anos. Enquanto estudante de filosofia as artes plásticas nunca foram uma questão, porém a história da arte pra mim, se revelou como uma ótima possibilidade de vislumbrar outro mundo. Embora eu tenha um apego à sociologia da arte, e saiba das bases que mantem esse "mundo" artístico de pé, ainda me seduz a manutenção de um costume tão secular. Ver conceitos materializados, e mesmo quando não pretendem ser se tornam, aliás é uma produção humana, e ainda que não seja o olhar o é.

Entre muitas teorias da arte, não estou aqui me propondo a dialogar com nenhuma, embora essa ideia em si seja um paradoxo, pois ao me referir a este assunto já me insiro no debate sobre. Encaro as artes plásticas como conceitos lançados no mundo, alguns com forte potência, outros nem tanto, não julgo trabalhos como melhores ou piores, já que meu olhar sempre virá seguido por muitas histórias, teorias, vivências e acima de tudo postulados subjetivos. Mas acho que minha experiência enquanto estudante e pesquisador pode oferecer um vislumbre, que em última instância interessa a mim no futuro, posso ler esse escrito daqui há dez anos e me achar um bobo depressivo sem ter o que fazer, ou pelo contrário encarar com maturidade aquilo que já fui, ou posso nem existir mais e esses carácteres tornarem-se apenas uns bytes que flutuam ai no mundo virtual, porém essa imaterialidade me seduz.

Regularmente escreverei, não irei revisar os meus textos, já faço isso incessantemente com trabalhos universitários. Caso erros gramaticais graves passem, quem lê que compreenda que isso faz parte do processo, escrever aqui acima de tudo será uma hypomnemata, irei escrever, ler e meditar, caso essas anotações sejam interessantes para alguém, maneiro.

Hoje especificamente queria apenas marcar a minha volta para esse espaço, usarei o facebook como plataforma para divulgar isso, pois suas funcionalidades para mim são cada vez mais escassas.

Morar no Rio de Janeiro foi um grande passo, não vim buscando nada específico, além dos estudos, porém algumas coisas surgiram em meu caminho e sou grato por elas. Não tenho ideia, nem planejo meu futuro, quero apenas seguir conhecendo pessoas, coisas, lugares. Aprendi nesses últimos dois anos que a vida apresenta muitas oportunidades, e basta seguir aquelas que pareçam mais interessantes, e a não expectativa, possibilita ótimas surpresas. Nesse trecho sinto que pareci meio otimista, mas ressalto que não tenho nada além de lembranças, vivo entre meus livros, muitos que ainda irei abrir, mas essas possibilidades me animam.

Em breve volto, nos momentos de inércia, quais gasto com mil inutilidades que se apresentam ao homem contemporâneo, irei buscar escrever, já que o exercício provavelmente não irá me prejudicar.

6.11.2015

Felicidade em Cápsulas: Relações Digitais e Ilusão.

Edvard Munch, Melancholie (1894)
Vivemos em uma sociedade cada vez mais exigente, onde ser uma pessoa “comum” se torna tarefa cada vez mais árdua. O sujeito perdeu o controle até mesmo sobre seus humores. A exigência atinge níveis cada vez mais alarmante, já que em uma sociedade movida pela imagem da felicidade a tristeza perde cada vez mais espaço.

É incrível como somos envolvidos cada vez mais em teias de relações frágeis, porém devido ao grande número elas nos transmitem a sensação de completude. As relações mediadas são fracas, já que o intermédio sempre distancia os sujeitos que buscam comunicar-se. As inúmeras relações diárias possibilitadas pelo uso da tecnologia, transmitem a falsa sensação de contato, pois em todos os lugares podemos “falar” com alguém, usando um dos modelos mais simples de celulares existentes no mercado. Essa profusão de opções levam ao contato diário, com inúmeras pessoas, número de relações esse que, jamais seria possível sem as facilidades da tecnologia. Isso ocasiona uma necessidade diária de interação, contato esse que com um número muito além do suportado, nos direciona para contatos superficiais. Cumprimos as tarefas diárias com os nossos dispositivos móveis a mão, onde um simples minuto se torna um momento oportuno de interação.  

Na impossibilidade de dar conta dessas infinitas relações o sujeito atual não percebe que os espaços que possibilitem a solidão se tornam quase inexistentes. A cada segundo a interação momentânea é solicitada, assim nos distanciando cada vez mais de um autoconhecimento. Vivemos imersos em relações, porém sem a possibilidade de refletir sobre as mesmas, a presença expandida do homem moderno possibilita uma onipresença da ação, onde temporalidade e espacialidade se expandem a níveis que a consciência humana parece não acompanhar. A anulação da interioridade caminha, o homem atual pode encontrar-se em vários lugares, mas dificilmente consigo mesmo.  

Edvard Munch, Der Schrei (Tempera, 1893)
O facebook -como a tradução literal da palavra diz- é realmente um livro de faces, o problema é que por entre esses rostos só há espaço para faces felizes, as mais "interessantes" (Geralmente adequados a um padrão externo). Se fosse um livro estático não haveria problemas, porém devemos compreende-lo como um livro mutável, não havendo fixação, a interação é o que o move. Demonstrar cenas de felicidade e satisfação torna-se uma premissa básica, e sua mutabilidade exige a constante atualização de imagens de satisfação. Não basta dividir o cotidiano feliz uma única vez, as imagens apresentadas devem ser atualizadas incessantemente. Podemos questionar se seria possível escrever uma boa história apenas com cenas felizes.

A atuação, enquanto exercício, sai cada vez mais dos palcos e se coloca como tarefa cotidiana.  O jogo cênico é presente nas mais diversas esferas da sociabilidade, mas o individuo transitava livremente entre essas várias esferas, podendo se colocar inteiramente em locais específicos de sua convivência. A absorção de grande parcela da população na era digital, fez com que as pessoas se perdessem desses lugares de “verdade”, já que sua interação é diluída nas inúmeras interações digitais, e essa primazia pelo digital ocasiona o esvaziamento daquilo que chamo de relações analógicas. Para clarificar minha ideia vamos pensar na diferença básica entre digital e analógico, e então voltamos para nossa discussão, simplificando:

Conversas com o uso de voz através de dispositivos eletrônicos são trocas de sinais anteriormente análogos (comparáveis) captados por microfones, digitalizados, transmitidos entre os dispositivos e então convertidos novamente em sinais análogos para serem reproduzidos por dispositivos de áudio. O processo de digitalização também é essencial para o transporte eficiente de sinais anteriormente análogos. Essa conversão e compressão também torna estes sinais análogos recordáveis, reproduzíveis, editáveis e distribuíveis. Na eletrônica digital, a informação é convertida para bits, enquanto na eletrônica analógica a informação é tratada sem essa conversão. [Wikipédia]


As relações analógicas, vão cedendo um espaço cada vez maior àquilo que ouso chamar de digitalização do eu, onde o centro das nossas relações diárias vão se reduzindo às relações digitais, as quais são possíveis apenas com uso de nossos dispositivos de extensão do sujeito ( aparelhos portáteis que possibilitem interações imediatas não físicas). Nessa construção de uma imagem digital de nós mesmos, deixamos de lado todas as particularidades que não queremos expor, nessa não exposição mascaramos muito daquilo que sentimos, pensamos e fazemos.
Assim vamos entrando em um circulo vicioso, onde todos iludem a si e aos próximos, muitas vezes nem percebendo, mas ficando submersos em um mar de ilusões. Ilusões essas que pautam nossas vidas e relações, onde a felicidade é uma utopia, nada mais que uma simples propaganda, endossada pelo consumismo capitalista. As relações digitais oriundas da digitalização do eu, nos propõe a considerar a existência de uma ditadura da felicidade, onde se espera que sejamos felizes, devendo estar sempre disponíveis para as mais corriqueiras interações.

Edvard Munch, Verzweiflung (1892)
Não é atoa que a muitas religiões ao longo da história elaboram narrativas onde os processos que levam à iluminação passam por um isolamento do eu, onde nesse isolamento o sujeito passa a outro patamar de compreensão de si e do cosmos qual habita. Não to indo na direção de uma fala onde incito o isolamento, falo a favor de pequenos espaços de tempo, pequenos momentos onde ficamos sós. Onde não nos preocupamos com a disponibilidade instantânea ao outro.

Facebook, Whatsapp, Facetime, Skype, Telegran, Snapchat, Hangoout, Instagran, e poderíamos continuar uma lista imensa de apps que estabelecem relações digitais entre sujeitos, porém com a facilidade e a grande oferta dessas ferramentas, seu uso caiu na banalização sem finalidade especifica, onde se busca “passar o tempo”. Quando o tempo de que dispomos é o de apenas uma vida humana, tempo que não volta, que gastamos com relações que não se sustentam. Ao nos aproximarmos dos indivíduos digitalmente, nos distanciamos de nós, na medida em que nossos pensamentos são silenciados pelo grande fluxo de informações desnecessárias cotidianas. 

No vazio da existência adoecemos, na ânsia desesperada por contatos padecemos ficando cada vez mais inertes, vazios e tristes, mas em segredo. O maior agravante dessa situação é a espetacularização dos afetos, onde o esperado são as cenas apresentadas pelo cotidiano midiático. Assim caímos em um ciclo, onde o agravante é mascarado. A encenação da felicidade nos entristece, e quanto mais vemos a felicidade dos outros  nos questionamos sobre a nossa própria, e mais negamos o nosso esgotamento. Aderimos as pilulas da felicidade, assim habitando e reiterando um mundo onde os antidepressivos sempre estão entre os medicamentos mais consumidos.

6.05.2015

Natureza e Equilibrio: Braga e Eija.


Em uma grande cidade como o Rio de Janeiro há inúmeras exposições ocorrendo simultaneamente,  a dinâmica da cidade facilita o deslocamento entre diversos espaços culturais, assim possibilitando uma dialética, onde artistas e obras dialogam entre si, mesmo que tais pontes sejam estabelecidas por particularidades dos expectadores. Sou novo na exploração do cenário artístico e cultural do Rio e me tenho o prazer de ser surpreendido sempre com as possibilidades de exploração que são oferecidas.
Fantasia de Compensação, de 2004
A Casa França Brasil é o espaço onde Rodrigo Braga apresenta o resultado de sua pesquisa sobre a relação entre natureza e cidade. Rodrigo é um artista pernambucano acompanhando por polêmicas, essas quais eu não me deterei agora, já que o foco é o diálogo com outra exposição, porém quem não conhece o artista recomendo uma simples busca na internet sobre sua obra Fantasia de Compensação, de 2004, obra onde o artista se "funde" com um cão morto. Representado pela Galeria Vermelho de São Paulo Rodrigo vem se tornando um dos artistas mais promissores de sua geração.
A outra artista que nos focaremos é Eija-Liisa Ahtila, nascida na Finlândia, onde vive e trabalha até os dias atuais. Os primeiros trabalhos da artista são motivados por criticas às instituições, com uma abordagem feminista, ela já lecionou na Academy of Fine Arts (Finland). Ela trabalha com vídeos, fotografia e instalações, sempre no âmbito da construção da imagem e linguagem, dialogando com a narrativa e espaço. Sua produção recente se concentra na identidade, limite e relações entre sujeitos. Seu trabalho já foi exposto na Tate Modern e no Museum of Modern Art (MoMA). Sua mais recente exposição está no Espaço Oi Futuro- Flamengo.
A exposição Eija-Liisa Ahtila e Tombo trazem a tona questões que se relacionam diretamente com o nosso dia-a-dia, já que vivendo no Rio presenciamos o intercâmbio das relações entre concreto e natureza, natural e artificial, relações essas que passam desapercebidas na nossa corrida diária.
Tombo (2015).
A exposição Tombo, de Rodrigo Braga nos coloca de frente à uma memória já quase apagada, logo na entrada nos deparamos com troncos de palmeiras imperiais mortas, esses corpos mortos centenários podem dialogar com a urbanização massiva que invade o Rio a cada esquina, conversa com obras que não param, cidade redefinida a cada dia. Aqueles corpos nos remetem à uma temporalidade que se foi, uma paisagem que não existe mais. Se corpos biológicos hoje se jazem sem vida, como será que os corpos artificiais que colocamos na paisagem estarão daqui há 200 anos? Talvez uma exposição futurista exponha os restos daquilo que já foi a nossa sociedade fluída e mutável, porém não vamos fazer epifanias sobre o futuro, vamos nos deter no presente e na história que nos é colocada. O estranhamento invade o expectador que entra no espaço, pois a exposição se apresenta sem um caminho pré definido, os caminhos podem ser os mais variados, como na antiga formação espacial do Rio de Janeiro os espaços não são demarcados com suas retas e placas, o convite é para um passeio aberto.
Uma das salas laterais é ocupada por  plantas arquitetônicas da antiga Praça do Comércio, e  relatos escritos de viajantes que encararam a paisagem. A outra sala nos oferece um banquete aos sentidos, onde uma vídeo instalação nos transporta para outra dimensão. O chão é tomado por restos biológicos do habitat das palmeiras, onde somos tocados pelo cheiro de terra e planta tão incomum no cotidiano citadino. O olfato nos ajuda a reconstruir uma narrativa histórica, onde a ambiência criada nos remete para o ambiente modificado. Os olhos testemunham no vídeo o processo de tombamento das palmeiras, o expectador testemunha o processo de criação. O simples fato da retirada das palmeiras do seu ambiente, e sua inserção entre o mármore frio de um espaço alocado no centro de uma das maiores cidades do país mostra como a arte contemporânea é capaz de nos direcionar para um questionamento do espaço e da realidade histórica.
As vídeos instalações de Eija-Liisa Ahtila também pode nos direcionar para um questionamento da relação entre homem e natureza, a artista inicia uma série de pequenos estudos com Fishermen (2010), um vídeo de 5:40 min, onde retrata a atividade de pescadores da África Ocidental. A atividade laboriosa rotineira foi gravada e nos é apresentada no nível 2 do espaço de exposições do Oi Futuro.  A cena se apresenta de forma única, onde a parede frontal é tomada pela totalidade da projeção, e as cores do espaço dão continuidade as águas revoltas do mar. Ao encarar o vídeo novamente somos transportados para uma realidade distante da nossa, onde uma atividade fundamental básica encontraria dificuldades em ser realizada pelos mais hábeis cariocas.
Fishermen (2010)
O horizonte se apresenta como uma meta a ser alcançada, e o esforço empreendido por tais homens parece inútil perante as forças da natureza. A sociedade pós industrial em que vivemos aliena a relação do homem com o meio ambiente e com os alimentos, já que a natureza como apresentada ao morador de uma grande cidade é aparentemente controlada, e seus alimentos não dependem do clima local. O enfrentamento com a natureza para nós já se deu em outros âmbitos, como o científico e o tecnológico. Testemunhar uma atividade laboriosa que ocorreu há cinco anos atrás pode possibilitar a rememoração daquilo que não vivemos. Há cinco anos atrás provavelmente você que está lendo este blog não precisou enfrentar nenhuma fúria da natureza para conseguir alimento, mas duvido que afirme que outros não tenham necessitado realizar tal empreitada.
Sim, sabemos dos contrastes do mundo globalizado, mundo esse que se apresenta a nós com o distanciamento egoísta que move nossa sociedade.  Fishermen nos obriga a encarar o real estatuto ontológico da natureza, onde sua fúria não pode ser aplacada pela força humana. Vivemos em um mundo relativamente estável, porém sabemos que tal estabilidade quando confrontada por reais forças da natureza se revelam tão frágeis como um castelo de cartas.
Os quase seis minutos do vídeo vão de encontro ao questionamento da racionalização da natureza, questionar a realidade cotidiana do homem é possível por meio da obra, sejamos brasileiros, finlandeses ou americanos como aqueles que assistiram o vídeo na Marian Goodman Gallery, NY onde foi exibido originalmente.   Possivelmente os protagonistas da cena não testemunharam o vídeo, foram capturados e exibidos como arte, e na verdade são apenas homens comuns, fazendo uma atividade comum. O comum quando sai de seu lugar de origem pode basear o questionamento de outros “comuns”.
O homem destrói cada vez mais o equilíbrio da natureza, esse é o equilíbrio natural que já é dado, mas abrimos mãos dele em nome de um equilíbrio artificial postulado pela cidade. O que não podemos nos esquecer é que em nome do equilíbrio artificial sacrificamos outro muito mais potente.
Vivemos em uma sociedade distante da natureza, em uma cidade em constante transformação, onde os espaços se relacionam, porém a primazia sempre é do artificial que naturalmente se impõe como parte da dinâmica necessária a nossa vida. Ambos artistas trazem uma outra perspectiva para pensar a relação do homem com o meio hostil em que ele é inserido. Cabe a questão final de repensarmos essa distancia pelo nosso presente, onde o olhar apresenta olhares, e esses olhares mostram algo passado que respinga no presente, assim nos colocando em uma temporalidade impar. A experiência se apresenta como memória e como planojamento, rememoramos algo passado como as cenas ou os objetos apresentados, e como planejamos um futuro onde se pense a relação entre cidade e meio ambiente.  


Sites:


Detalhes sobre Fantasia de Compensação: http://macaxeirageral.net.br/2008/06/10/a-incrivel-historia-do-homem-que-virou-cachorro/