Há
semanas que venho pensando em escrever, mas a correria do dia-a-dia, geralmente
serve como desculpa para fugirmos daquilo que realmente queremos. Há dois anos
resolvi “abandonar” a filosofia, claro que o abandono deve vir acompanhado de
aspas, já que é impossível a dissociação de algo que atuou tão marcadamente na
minha formação. Meu modo de ser e pensar o mundo são totalmente atrelados aos
referenciais da filosofia, pois não há maneira de se embrenhar pelo pensamento
de tantas pessoas ao longo de quatro anos e não ser afetado por isso. Onde
quero chegar? No abandono da filosofia enquanto ótica de mundo por uma
estetização do cotidiano. Embrenhar-me pela história da arte apresentou ótimos
caminhos e me alertou do perigo de caminhar em determinadas zonas sem uma base
teórica mais densa, correndo o risco de desnorteado não saber para onde ir,
podendo ficar perdido neste caminho apenas por não conseguir encontrar a
direção para seguir, ainda que saiba que o destino não há mais.
Como
uma das marcas principais, não posso ignorar a genealogia de alguns termos, e
em nível mais raso deste tipo de abordagem é perceptível que em uma graduação
em História da Arte o foco seja a HISTÓRIA de algo denominado ARTE, embora a
arte possa ser amplamente debatida sobre aquilo que é ou deixa de ser, a
história pelo contrário é muito bem definida e compreendida pelo senso comum.
Alerto que não levo em conta toda a problemática sobre o que é história, já que
estudiosos do tema encontram divergências de definir os meandros desta
disciplina. Sem me delongar nessa questão, a arte por sua vez é amplamente
debatida, sobre o que está ou não nos seus limites discursivos.
Ingressar
em um curso chamado História da Arte, me levou a compreender que estaria
estudando a história de determinadas manifestações artísticas, levando em conta
o discurso de cada época e grupo social no debate do que seria ou não arte, e
portanto essas querelas fariam parte do campo da História da Arte. Surpreendi-me
ao encontrar os historiadores da arte, com muito mais interesse em delimitar o
que é ou não arte, preterir movimentos artísticos ou artistas, utilizar as
aulas apenas como espaço para exposição de seu interesse particular de
determinada ótica de mundo. Minha decepção foi por perceber que o curso de
história da arte pouco preza pela história, ao menos na minha experiência,
cruzo quase que diariamente com historiadores que se colocam muito mais no
lugar que eu compreenderia como de filósofos da arte.
O
currículo do curso se divide em mais de cinquenta disciplinas, dessas, são
oferecidas apenas quatro de historiografia da arte. Os alunos, muitas vezes imbuídos
pelo despreparo de alguns professores, não compreendem o peso da história, e
como essa deveria ser o foco daquele curso. Há necessidade de uma graduação
chamada Filosofia da Arte, nesta, acho que caberia espaço para as divagações
que ocupa a mente de muitos alunos. Claro que neste caso o currículo deveria
ser muito modificado, mas assim forneceria as ferramentas para compreensão das
questões de interesse dessa juventude.
Há
uma extensa carga de disciplinas que começam com o nome de História das Artes
Visuais, que se dividem em “gerais”, do Brasil, da América Latina, orientais,
acho que nesta parte é muito rica a grade, mas a abordagem passa muitas vezes
por mera exposição de artistas. E o olhar dos alunos está mais interessado em criticar
este ou aquele período, ao invés de buscar observar como aquilo foi “gravado”
na história da arte. Faltando ainda a discussão sobre memória, apresentando a
própria história da arte como um jogo político, no qual o próprio campo é
redefinido com o passar do tempo, e essa questão é totalmente atravessada por
questões sociológicas, desta forma, compreender o próprio meio, qual está
inserido é peça chave para a compreensão do fenômeno de uma forma mais ampla.
Há
disciplinas de Arte e Antropologia, sempre com o olhar para o externo, enquanto
deveria estar em consonância com problemáticas do próprio sistema artístico da
atualidade, assim evitando a criação de uma visão muitas vezes romanceada do
que seja o mundo real. Os parâmetros mudaram as mídias, os espaços expositivos,
os conceitos, mas tudo isso é perpassado por intensas questões históricas, e
desprezar o que antecedeu a atualidade, leva apenas a um debate que não nos
cabe, ao menos não com as ferramentas que pensamos possuir.
Arthur
Danto, ao se deparar com a Brillo Box de Warhol, questionou o que era aquilo, e
compreendo a exposição deste objeto como uma questão da sua contemporaneidade,
buscou entender o que era a exposição daquele objeto no espaço de uma galeria.
Desde então se voltou para questões da definição do que é arte e suas
implicações. Acho muito interessante suas abordagens, seu posicionamento e o
refinamento de seu discurso na tentativa de estabelecer critérios de
compreensão. A história da arte e amplamente utilizada na compreensão destes
fenômenos, assim como da filosofia.
Enfim,
queria apenas desabafar acerca da problemática do curso de História da Arte.
Acho que o questionamento sobre os parâmetros que definem o campo artístico-
assim como a análise crítica de seus postulados muito válido e interessante.
Acho que cabe aos historiadores da arte esse papel de problematização do campo,
porém, o ponto que quero marcar, é que não compreendo essa questão como a central
de um curso que leva História no título. O papel do historiador em primeira
instancia é acerca da história, e imbuído nesta, pensa criticamente a reformulação
de seus limites. A primazia da filosofia da arte, em um lugar que não é o seu
por excelência, leva à algumas confusões, das quais poderiam ser evitadas
apenas com a espera de mais leituras e compreensão do processo histórico.
Não
tenho interesse em ser um filósofo da arte, meu caminho é muito mais atrelado à
história, embora a filosofia ande sempre acima de meu ombro, como uma entidade
obsessora, quem seguro a mão é a história. Acho que meu compromisso com ela
será muito mais firme e duradouro. Espero que muitos filósofos da arte surjam,
quero acompanhá-los e pensar junto. Apenas espero que encontrem espaço mais profícuo
para debater suas ideias. Embora a transdiciplinariedade impere, (algumas
questões podem e devem ser pensadas para além das barreiras de disciplinas acadêmicas)
esse processo deve ser guiado pelos acréscimos de disciplinas e não pelo preterimento
daquela que deveria ser central. Excluir a história, na tentativa de fazer
filosofia, encaminha em direção a falácias, e uma falácia sem uma boa retórica,
corre sempre o risco de cair no ridículo.