6.11.2015

Felicidade em Cápsulas: Relações Digitais e Ilusão.

Edvard Munch, Melancholie (1894)
Vivemos em uma sociedade cada vez mais exigente, onde ser uma pessoa “comum” se torna tarefa cada vez mais árdua. O sujeito perdeu o controle até mesmo sobre seus humores. A exigência atinge níveis cada vez mais alarmante, já que em uma sociedade movida pela imagem da felicidade a tristeza perde cada vez mais espaço.

É incrível como somos envolvidos cada vez mais em teias de relações frágeis, porém devido ao grande número elas nos transmitem a sensação de completude. As relações mediadas são fracas, já que o intermédio sempre distancia os sujeitos que buscam comunicar-se. As inúmeras relações diárias possibilitadas pelo uso da tecnologia, transmitem a falsa sensação de contato, pois em todos os lugares podemos “falar” com alguém, usando um dos modelos mais simples de celulares existentes no mercado. Essa profusão de opções levam ao contato diário, com inúmeras pessoas, número de relações esse que, jamais seria possível sem as facilidades da tecnologia. Isso ocasiona uma necessidade diária de interação, contato esse que com um número muito além do suportado, nos direciona para contatos superficiais. Cumprimos as tarefas diárias com os nossos dispositivos móveis a mão, onde um simples minuto se torna um momento oportuno de interação.  

Na impossibilidade de dar conta dessas infinitas relações o sujeito atual não percebe que os espaços que possibilitem a solidão se tornam quase inexistentes. A cada segundo a interação momentânea é solicitada, assim nos distanciando cada vez mais de um autoconhecimento. Vivemos imersos em relações, porém sem a possibilidade de refletir sobre as mesmas, a presença expandida do homem moderno possibilita uma onipresença da ação, onde temporalidade e espacialidade se expandem a níveis que a consciência humana parece não acompanhar. A anulação da interioridade caminha, o homem atual pode encontrar-se em vários lugares, mas dificilmente consigo mesmo.  

Edvard Munch, Der Schrei (Tempera, 1893)
O facebook -como a tradução literal da palavra diz- é realmente um livro de faces, o problema é que por entre esses rostos só há espaço para faces felizes, as mais "interessantes" (Geralmente adequados a um padrão externo). Se fosse um livro estático não haveria problemas, porém devemos compreende-lo como um livro mutável, não havendo fixação, a interação é o que o move. Demonstrar cenas de felicidade e satisfação torna-se uma premissa básica, e sua mutabilidade exige a constante atualização de imagens de satisfação. Não basta dividir o cotidiano feliz uma única vez, as imagens apresentadas devem ser atualizadas incessantemente. Podemos questionar se seria possível escrever uma boa história apenas com cenas felizes.

A atuação, enquanto exercício, sai cada vez mais dos palcos e se coloca como tarefa cotidiana.  O jogo cênico é presente nas mais diversas esferas da sociabilidade, mas o individuo transitava livremente entre essas várias esferas, podendo se colocar inteiramente em locais específicos de sua convivência. A absorção de grande parcela da população na era digital, fez com que as pessoas se perdessem desses lugares de “verdade”, já que sua interação é diluída nas inúmeras interações digitais, e essa primazia pelo digital ocasiona o esvaziamento daquilo que chamo de relações analógicas. Para clarificar minha ideia vamos pensar na diferença básica entre digital e analógico, e então voltamos para nossa discussão, simplificando:

Conversas com o uso de voz através de dispositivos eletrônicos são trocas de sinais anteriormente análogos (comparáveis) captados por microfones, digitalizados, transmitidos entre os dispositivos e então convertidos novamente em sinais análogos para serem reproduzidos por dispositivos de áudio. O processo de digitalização também é essencial para o transporte eficiente de sinais anteriormente análogos. Essa conversão e compressão também torna estes sinais análogos recordáveis, reproduzíveis, editáveis e distribuíveis. Na eletrônica digital, a informação é convertida para bits, enquanto na eletrônica analógica a informação é tratada sem essa conversão. [Wikipédia]


As relações analógicas, vão cedendo um espaço cada vez maior àquilo que ouso chamar de digitalização do eu, onde o centro das nossas relações diárias vão se reduzindo às relações digitais, as quais são possíveis apenas com uso de nossos dispositivos de extensão do sujeito ( aparelhos portáteis que possibilitem interações imediatas não físicas). Nessa construção de uma imagem digital de nós mesmos, deixamos de lado todas as particularidades que não queremos expor, nessa não exposição mascaramos muito daquilo que sentimos, pensamos e fazemos.
Assim vamos entrando em um circulo vicioso, onde todos iludem a si e aos próximos, muitas vezes nem percebendo, mas ficando submersos em um mar de ilusões. Ilusões essas que pautam nossas vidas e relações, onde a felicidade é uma utopia, nada mais que uma simples propaganda, endossada pelo consumismo capitalista. As relações digitais oriundas da digitalização do eu, nos propõe a considerar a existência de uma ditadura da felicidade, onde se espera que sejamos felizes, devendo estar sempre disponíveis para as mais corriqueiras interações.

Edvard Munch, Verzweiflung (1892)
Não é atoa que a muitas religiões ao longo da história elaboram narrativas onde os processos que levam à iluminação passam por um isolamento do eu, onde nesse isolamento o sujeito passa a outro patamar de compreensão de si e do cosmos qual habita. Não to indo na direção de uma fala onde incito o isolamento, falo a favor de pequenos espaços de tempo, pequenos momentos onde ficamos sós. Onde não nos preocupamos com a disponibilidade instantânea ao outro.

Facebook, Whatsapp, Facetime, Skype, Telegran, Snapchat, Hangoout, Instagran, e poderíamos continuar uma lista imensa de apps que estabelecem relações digitais entre sujeitos, porém com a facilidade e a grande oferta dessas ferramentas, seu uso caiu na banalização sem finalidade especifica, onde se busca “passar o tempo”. Quando o tempo de que dispomos é o de apenas uma vida humana, tempo que não volta, que gastamos com relações que não se sustentam. Ao nos aproximarmos dos indivíduos digitalmente, nos distanciamos de nós, na medida em que nossos pensamentos são silenciados pelo grande fluxo de informações desnecessárias cotidianas. 

No vazio da existência adoecemos, na ânsia desesperada por contatos padecemos ficando cada vez mais inertes, vazios e tristes, mas em segredo. O maior agravante dessa situação é a espetacularização dos afetos, onde o esperado são as cenas apresentadas pelo cotidiano midiático. Assim caímos em um ciclo, onde o agravante é mascarado. A encenação da felicidade nos entristece, e quanto mais vemos a felicidade dos outros  nos questionamos sobre a nossa própria, e mais negamos o nosso esgotamento. Aderimos as pilulas da felicidade, assim habitando e reiterando um mundo onde os antidepressivos sempre estão entre os medicamentos mais consumidos.

6.05.2015

Natureza e Equilibrio: Braga e Eija.


Em uma grande cidade como o Rio de Janeiro há inúmeras exposições ocorrendo simultaneamente,  a dinâmica da cidade facilita o deslocamento entre diversos espaços culturais, assim possibilitando uma dialética, onde artistas e obras dialogam entre si, mesmo que tais pontes sejam estabelecidas por particularidades dos expectadores. Sou novo na exploração do cenário artístico e cultural do Rio e me tenho o prazer de ser surpreendido sempre com as possibilidades de exploração que são oferecidas.
Fantasia de Compensação, de 2004
A Casa França Brasil é o espaço onde Rodrigo Braga apresenta o resultado de sua pesquisa sobre a relação entre natureza e cidade. Rodrigo é um artista pernambucano acompanhando por polêmicas, essas quais eu não me deterei agora, já que o foco é o diálogo com outra exposição, porém quem não conhece o artista recomendo uma simples busca na internet sobre sua obra Fantasia de Compensação, de 2004, obra onde o artista se "funde" com um cão morto. Representado pela Galeria Vermelho de São Paulo Rodrigo vem se tornando um dos artistas mais promissores de sua geração.
A outra artista que nos focaremos é Eija-Liisa Ahtila, nascida na Finlândia, onde vive e trabalha até os dias atuais. Os primeiros trabalhos da artista são motivados por criticas às instituições, com uma abordagem feminista, ela já lecionou na Academy of Fine Arts (Finland). Ela trabalha com vídeos, fotografia e instalações, sempre no âmbito da construção da imagem e linguagem, dialogando com a narrativa e espaço. Sua produção recente se concentra na identidade, limite e relações entre sujeitos. Seu trabalho já foi exposto na Tate Modern e no Museum of Modern Art (MoMA). Sua mais recente exposição está no Espaço Oi Futuro- Flamengo.
A exposição Eija-Liisa Ahtila e Tombo trazem a tona questões que se relacionam diretamente com o nosso dia-a-dia, já que vivendo no Rio presenciamos o intercâmbio das relações entre concreto e natureza, natural e artificial, relações essas que passam desapercebidas na nossa corrida diária.
Tombo (2015).
A exposição Tombo, de Rodrigo Braga nos coloca de frente à uma memória já quase apagada, logo na entrada nos deparamos com troncos de palmeiras imperiais mortas, esses corpos mortos centenários podem dialogar com a urbanização massiva que invade o Rio a cada esquina, conversa com obras que não param, cidade redefinida a cada dia. Aqueles corpos nos remetem à uma temporalidade que se foi, uma paisagem que não existe mais. Se corpos biológicos hoje se jazem sem vida, como será que os corpos artificiais que colocamos na paisagem estarão daqui há 200 anos? Talvez uma exposição futurista exponha os restos daquilo que já foi a nossa sociedade fluída e mutável, porém não vamos fazer epifanias sobre o futuro, vamos nos deter no presente e na história que nos é colocada. O estranhamento invade o expectador que entra no espaço, pois a exposição se apresenta sem um caminho pré definido, os caminhos podem ser os mais variados, como na antiga formação espacial do Rio de Janeiro os espaços não são demarcados com suas retas e placas, o convite é para um passeio aberto.
Uma das salas laterais é ocupada por  plantas arquitetônicas da antiga Praça do Comércio, e  relatos escritos de viajantes que encararam a paisagem. A outra sala nos oferece um banquete aos sentidos, onde uma vídeo instalação nos transporta para outra dimensão. O chão é tomado por restos biológicos do habitat das palmeiras, onde somos tocados pelo cheiro de terra e planta tão incomum no cotidiano citadino. O olfato nos ajuda a reconstruir uma narrativa histórica, onde a ambiência criada nos remete para o ambiente modificado. Os olhos testemunham no vídeo o processo de tombamento das palmeiras, o expectador testemunha o processo de criação. O simples fato da retirada das palmeiras do seu ambiente, e sua inserção entre o mármore frio de um espaço alocado no centro de uma das maiores cidades do país mostra como a arte contemporânea é capaz de nos direcionar para um questionamento do espaço e da realidade histórica.
As vídeos instalações de Eija-Liisa Ahtila também pode nos direcionar para um questionamento da relação entre homem e natureza, a artista inicia uma série de pequenos estudos com Fishermen (2010), um vídeo de 5:40 min, onde retrata a atividade de pescadores da África Ocidental. A atividade laboriosa rotineira foi gravada e nos é apresentada no nível 2 do espaço de exposições do Oi Futuro.  A cena se apresenta de forma única, onde a parede frontal é tomada pela totalidade da projeção, e as cores do espaço dão continuidade as águas revoltas do mar. Ao encarar o vídeo novamente somos transportados para uma realidade distante da nossa, onde uma atividade fundamental básica encontraria dificuldades em ser realizada pelos mais hábeis cariocas.
Fishermen (2010)
O horizonte se apresenta como uma meta a ser alcançada, e o esforço empreendido por tais homens parece inútil perante as forças da natureza. A sociedade pós industrial em que vivemos aliena a relação do homem com o meio ambiente e com os alimentos, já que a natureza como apresentada ao morador de uma grande cidade é aparentemente controlada, e seus alimentos não dependem do clima local. O enfrentamento com a natureza para nós já se deu em outros âmbitos, como o científico e o tecnológico. Testemunhar uma atividade laboriosa que ocorreu há cinco anos atrás pode possibilitar a rememoração daquilo que não vivemos. Há cinco anos atrás provavelmente você que está lendo este blog não precisou enfrentar nenhuma fúria da natureza para conseguir alimento, mas duvido que afirme que outros não tenham necessitado realizar tal empreitada.
Sim, sabemos dos contrastes do mundo globalizado, mundo esse que se apresenta a nós com o distanciamento egoísta que move nossa sociedade.  Fishermen nos obriga a encarar o real estatuto ontológico da natureza, onde sua fúria não pode ser aplacada pela força humana. Vivemos em um mundo relativamente estável, porém sabemos que tal estabilidade quando confrontada por reais forças da natureza se revelam tão frágeis como um castelo de cartas.
Os quase seis minutos do vídeo vão de encontro ao questionamento da racionalização da natureza, questionar a realidade cotidiana do homem é possível por meio da obra, sejamos brasileiros, finlandeses ou americanos como aqueles que assistiram o vídeo na Marian Goodman Gallery, NY onde foi exibido originalmente.   Possivelmente os protagonistas da cena não testemunharam o vídeo, foram capturados e exibidos como arte, e na verdade são apenas homens comuns, fazendo uma atividade comum. O comum quando sai de seu lugar de origem pode basear o questionamento de outros “comuns”.
O homem destrói cada vez mais o equilíbrio da natureza, esse é o equilíbrio natural que já é dado, mas abrimos mãos dele em nome de um equilíbrio artificial postulado pela cidade. O que não podemos nos esquecer é que em nome do equilíbrio artificial sacrificamos outro muito mais potente.
Vivemos em uma sociedade distante da natureza, em uma cidade em constante transformação, onde os espaços se relacionam, porém a primazia sempre é do artificial que naturalmente se impõe como parte da dinâmica necessária a nossa vida. Ambos artistas trazem uma outra perspectiva para pensar a relação do homem com o meio hostil em que ele é inserido. Cabe a questão final de repensarmos essa distancia pelo nosso presente, onde o olhar apresenta olhares, e esses olhares mostram algo passado que respinga no presente, assim nos colocando em uma temporalidade impar. A experiência se apresenta como memória e como planojamento, rememoramos algo passado como as cenas ou os objetos apresentados, e como planejamos um futuro onde se pense a relação entre cidade e meio ambiente.  


Sites:


Detalhes sobre Fantasia de Compensação: http://macaxeirageral.net.br/2008/06/10/a-incrivel-historia-do-homem-que-virou-cachorro/

5.27.2015

A Sociedade Pós-orgiástica e o Aprisionamento do Eu

Sorrowing Old Man.  Vincent van Gogh, 1890.
Filosofia, História da Arte, Literatura. Talvez todas sejam apenas um penhasco, sobre o qual eu encaro a profundidade da existência, sem coragem de me jogar, sem ânimo para ir em outra direção. Essa imensidão apresentada é sentida na carne. O passado apresenta alguns atos, mas a ação do presente se esvai. Entre tantas teorias a prática perdeu utilidade. Todo o niilismo se presentifica novamente.  
Há uma gama de estudos das mais diversas áreas que repensam e problematizam a nossa vivência contemporânea, não oferecem uma real saída, o diagnóstico está confirmado. A ascenção do racionalismo que trouxe a primazia da razão, em nada nos ajudou na real fruição da existência.
Conheço as mais variadas teorias, li inúmeros autores, mas no fim o sujeito sempre está só. A prática da real vivência no mundo é solitária. As sociedades modernas encaram um poço. O problema não é teórico, está dado, presentificado, basta o mais simples exame que todos conseguem enxergar. A sociedade pós-industrial encontrou um muro, o progresso segue (pula, destrói, constrói), mas a sociedade enquanto conjunto de seres fica estagnada.
O pequeno intervalo que temos de imersão na temporalidade é gasto na busca de prazeres fortuitos. As lágrimas podem chegar nas mais improváveis horas do dia. O sucesso suga a nossa energia vital. A produtividade seja ela nos mais diversos âmbitos nos mata. A busca... sempre a busca. Não quero falar de Schopenhauer, não quero levar esse escrito na direção de um referencial teórico.
Busca-se ligações afetivas desinteressadas, algo que fuja do vazio e ofereça vivacidade em meio ao concreto frio. A existência se resume a luzes acesas na madrugada, onde aqueles que alcançaram o tão almejado sucesso choram. O sucesso pode ser alcançado, mas sem um direcionamento do que fazer com tal objetivo este é um ganho nulo.
Summer Interior. Edward Hopper, 1909.
A lógica produtivista cegou o homem. Entretenimento alienado se confunde com todo o resto. A única saída é……… Não ofereceria uma saída, por não me julgar capaz, e também não acredito que alguém o seja. Há diversas teorias que ocuparam lugar de destaque na história do pensamento humano, há tantos séculos nada respondeu, e a busca ainda continua. A teorização que se apresenta aos homens do século XXI em nada amenizou a existência daqueles homens do século precedente, então qual motivo de nos apegarmos a elas ainda hoje?
O homem se perdeu com sua capacidade de racionalizar. A razão não foi capaz de oferecer uma resposta final. O problema pode estar em se colocar essa questão, a razão impulsionou muitos homens na busca de sentido, na logicidade da vida. A razão é o que nos possibilita postular tal questão. Essa questão sem resposta -ao menos pelo viés da racionalidade- nos direciona em busca de algo que talvez não exista. O razão é responsável por postular uma questão que nem ela sabe responder. Todas as respostas finais oferecidas nos coloca no âmbito da crença. De que adianta uma razão que só serve para nos direcionar à uma questão que mais causa desconforto do que conforto.
Abrir mão dos cânones do conhecimento cientifico é uma tarefa que talvez não caiba na esfera social, já que está é totalmente organizada de acordo com a racionalidade. O sujeito particular é controlado por essa organização já imposta desde seu nascimento. Somos impelidos a uma ordem que não acordamos, e caso o enfrentamento seja colocado como uma saída possível, ele seria calado pelas forças da ordem exterior.
Menina Triste. Morteza Katouzian, 1986.
Preso! Esse o sentimento do sujeito. Sua situação dada, e sua racionalidade construída visam trancar o homem, desta forma o social e o racional o trancafiam. Corpos dissidentes por sua vez são suprimidos, já que a incitação a quebra de regulamentos ameaçam a ordem. Somos construídos com base em uma razão vertical, e só pensamos sobre a razão com as categorias dela mesma. Mais uma vez afirmo não querer cair na teoria, Kant e os juízos sintéticos à priori não bastam.
Em meio a esse turbilhão de obrigações, legislações, deveres, metas e costumes o homem continua vivendo. Cabe então a esse sujeito lançado em meio à uma ordem já imposta se arrastar por meio da escala temporal e espacial. Assim nos sujeitamos a empregos que não queremos, vidas que não gostamos. A vida nos leva. A vida nos leva. A vida nos leva? Somos levados, seja por famílias, empregos e diversos outros fatores externos que não nós mesmos.
A total perda de sentido nos levou a isso, lúcidos, porém tristes. Dividimos o átomo, mas as dores são indivisíveis. Muitos isolados em seu mundo particular conversam de verdade apenas consigo mesmo, já que dividir dores e pensamentos é uma tarefa difícil. O outro é uma mascara disforme, e ao apresentar uma forma logo se desfaz e descobrimos que nada sabíamos.
Isolado, solitário e empurrado nos encontramos aqui. Talvez a internet seja a personificação do isolamento. A conexão não é real, desligamos a tela, abaixamos o volume, mudamos de páginas. Relações de um clique. A máquina é mais fácil de lidar, mais previsível e controlada. Lidar com o virtual é mais simples. O vazio se torna mais suportável. Preenchemos o tempo que nos resta na tarefa de encontrar no frio de uma máquina algo que nos aqueça.
Ao desligar o monitor só silencio, voltamos as paredes frias, apagamos a luz e caminhamos mais um dia em direção a vida que não nos foi escolhida. Lançados em situações impares temos a ilusão de criar nossa história. Pensar sobre essa questão é complicado, já que a auto-reflexão machuca. Encontramos na nossa história várias histórias, mas os autores são externos na maioria das vezes, direta ou indiretamente.
Stormy Weather. Jan Saudek, 1985.
A fase da sociedade orgiástica já se foi, hoje estamos nos lençóis mal arrumados deixados por ela onde o entusiasmo se esgotou. Nas festas muitos bebem para aguentar os olhares, rostos e piadas. O torpor do álcool torna a tarefa menos árdua. Esquecimento... saímos na noite em busca de esquecimento do cotidiano, fuga através de uma situação impar. Todos se entregam a essa atividade, mas ao retornar pro quarto o espelho grita sempre a mesma coisa, a mesma mensagem. Ao encarar-se só se enxerga o outro, e o outro na medida em que se olha me vê, assim formamos um grupo, onde estou no outro e não em mim. E o outro não está nele, pois se vê em mim. E assim ninguém está realmente aqui.  Somos uma sociedade espectral.

5.25.2015

O Inferno de Rauschenberg


Robert Rauschenberg ( 1925 - 2008)
O Centro Cultural Correios, apresenta de 13 de maio até 12 de julho a expsoição  “Robert Rauschenberg - O Inferno de Dante”. Com curadoria de Claudia Lopes e Simone Ajzental. A exposição nos apresenta 34 litogravuras do artista texano Robert Rauschenberg que foram produzidas com base nos 34 cantos (poemas) que compõem a primeira parte do livro “A Divina Comédia”, do escritor italiano Dante Aligheri, intitulada “O Inferno”.
O Inferno é essencialmente a alegoria de inferno existente na Idade Média, assim sendo os  mais variados pintores criaram ilustrações sobre esta obra, se destacando Botticelli, Gustave Doré e Dalí.
Robert Rauschenberg foi um pintor americano e artista gráfico cujas obras precoce antecipou o pop art movimento. Teve grande influência nas artes visuais, já que seu nome é atrelado a vários momentos importantes para a arte da segunda metade do século XX. Entre os pontos importantes de sua carreira podemos destacar:

  • Diagnosticado com Dislexia.
  • Aos 16 anos, Rauschenberg foi admitido na Universidade do Texas , onde ele começou a estudar farmácia.
  • Posteriormente, estudou no Kansas City Art Institute e da Académie Julian, em Paris.
  • Josef Albers , um dos fundadores da Bauhaus , tornou-se instrutor de pintura de Rauschenberg no Black Mountain.
  • Rauschenberg casou com Susan Weil em 1950. Seu único filho, Christopher, nasceu 16 de julho de 1951. Eles se divorciaram em 1953. De acordo com compositor Morton Feldman , após o fim de seu casamento, Rauschenberg tinha  relacionamentos romântico com colegas artistas como Cy Twombly e Jasper Johns . Segundo boatos esses relacionamentos começaram ainda em sua época de casado.
  • A abordagem de Rauschenberg foi chamado às vezes " Neo dadaísta ", um rótulo que ele dividia com o pintor Jasper Johns.
  • Rauschenberg e Johns são frequentemente citados como precursores importantes do americano Pop Art .
  • Em 1966, Billy Klüver e Rauschenberg lançou oficialmente Experimentos em Arte e Tecnologia (EAT), uma organização sem fins lucrativos criada para promover colaborações entre artistas e engenheiros.
  • Em 1969, a NASA convidou Rauschenberg para testemunhar o lançamento da Apollo 11 .
  • Fez capas para Life e Tropic, importantes revistas americanas.
  • Em 1983, ele ganhou um Grammy pela capa de Talking Head's álbum de Speaking in Tongues.
  • Em 1986 Rauschenberg foi encomendado pela BMW para sexta edição do famoso BMW Art Car Project.
  • Rauschenberg teve sua primeira retrospectiva da carreira, organizada pelo Museu Judaico , Nova York, em 1963, e em 1964 ele foi o primeiro artista americano a vencer o Grande Premio na Bienal de Veneza.
  • Em 1990, Rauschenberg criou a Fundação Robert Rauschenberg (RRF) para promover a conscientização das causas que ele se preocupava, como a paz mundial, o meio ambiente e questões humanitárias.
  • Em 2010 Studio Painting (1960-1961 ), originalmente estimados entre $ 6 e $ 9 milhões dólares, foi comprado a partir da coleção de Michael Crichton por US $ 11 milhões na Christie's, Nova Iorque.
  • No início de 1970, Rauschenberg sem sucesso pressionou o Congresso dos EUA a aprovar uma lei que iria compensar os artistas quando seu trabalho é revendido.
  • O artista mais tarde apoiou um projeto de lei estadual da Califórnia que se tornou lei, a Califórnia revenda Royalty Act de 1976.  Rauschenberg assumiu sua luta após o barão táxi Robert Scull vender parte de sua coleção de arte em um leilão de 1973, incluindo uma pintura que ele tinha originalmente vendidos para Scull por $ 900 dólares, mas trouxe $ 85.000 dólares em um leilão na Sotheby Parke Bernet, New York.
 

Jasper Johns talvez tenha sido um dos mais importantes entre
os pioneiros da pop art nos Estados Unidos.
Esses são apenas alguns motivos para prestigiarmos a exposição de tal artista em nossa cidade. A exposição é ambientada ao som de John Cage ( 1912  —  1992) que foi um compositor, teórico musical e admirado anarquista e artista dos Estados Unidos. Cage foi um pioneiro da música aleatória, da música eletroacústica, e do uso de instrumentos não convencionais, bem como do uso não convencional de instrumentos convencionais, sendo considerado uma das figuras chave nas vanguardas artísticas do pós-guerra.
O espaço ainda nos apresenta enigmáticos sacos/esculturas, onde é possível vislumbrar os “fardos” do peso da jornada. Isso nos oferece uma reflexão sobre o fardo e peso do pecado na nossa mentalidade cristã. O inferno encarado de frente pelas representações de  Rauschenberg nos direciona ao questionamento da tradição e da punição cristã.  Literatura, Música, Litogravura se cruzam em direção a uma imersão na busca de Beatriz.
Vale ainda lembrar o episódio narrado a seguir:
Robert Rauschenberg's "Canto XIV," 1959.
Robert Rauschenberg, em Spring Training (1965), alugou trinta tartarugas para soltá-las sobre um palco escuro, com lanternas presas nos cascos. Enquanto as tartarugas emitiam luzes em direções aleatórias, o artista perambulava entre elas vestindo calças de jóquei. No final, sobre pernas-de-pau, Rauschenberg jogou água em um balde de gelo seco preso a sua cintura, levantando nuvens de vapor ao seu redor. Ao terminar o happening, o artista afirmou: "As tartarugas foram verdadeiras artistas, não foi?".
Essa espécie de “”retrospectiva” visa apenas ressaltar a importância do artista, discorrendo sobre suas contribuições às artes visuais. Para terminar esta série o artista se isolou em uma ilha no outono de 1960. Em dezembro do mesmo ano a série foi exposta na Leo Castelli Gallery, em Nova York. Três anos depois é adquirida pelo Museum of Modern Art - MoMA, de Nova York, com recursos de um colecionador não identificado. Durante a segunda metade dos anos 60 ela circula por numerosos museus dos Estados Unidos e Europa.


Exposição: “Robert Rauschenberg - O Inferno de Dante”
Abertura: 13 de maio, às 12h
Visitação: de 14 de maio a 12 de julho de 2015
De terça-feira a domingo, das 12h às 19h – Grátis/Livre (acesso para pessoas com deficiência)
Local: Centro Cultural Correios - Rua Visconde de Itaboraí, 20 - Centro - Rio de Janeiro|RJ
Telefone: (21)2253-1580 (Recepção)
Curadoria: Claudia Lopes e Simone Ajzental. 
Patrocínio: Correios


PS: Segue as outras representações clássicas do inferno.

Sandro Botticelli - La Carte de l'Enfer.
Gustave Doré's, Divine Comedy (1861–1868);
 Dante perdido, Canto 1 do Inferno. 
 Salvador Dali, Hell, Canto 34.

5.24.2015

Brasil e Europa: Fotografia e Percepção

Museu de Arte do Rio
Museu de Arte do Rio (MAR) é um museu do Rio de Janeiro, inaugurado em 1 de março de 2013. Localizado no Centro do Rio de Janeiro, próximo a principal avenida do bairro, o museu ocupa dois edifícios na praça Mauá, entre o Centro e a Zona Portuária. Um dos prédios é o Palacete Dom João VI, construído em estilo eclético. Foi dedicado às salas de exposição, o "Pavilhão de Exposições", aproveitando-se o pé-direito alto e a estrutura livre de seus salões. O outro, adjacente ao palácio, era utilizado pelo terminal rodoviário Mariano Procópio antes de ser integrado ao museu, a "Escola do Olhar", além de abrigar a administração e outros departamentos.
Os dois prédios somados, ligados por uma passarela suspensa, a "cobertura fluída", ocupam uma área total de 2.300 metros quadrados e uma área construída de 11.240 m².
O museu foi premiado com o título de melhor construção de 2013, ano da sua inauguração, na categoria museu, pelo voto popular do maior prêmio internacional de arquitetura do mundo, o Architizer A+ Awards. O MAR concorreu com os museus Heydar Aliyev Center (Azerbaijão), New Rijksmuseum (Holanda), Zhujiajiao Museum of Humanities & Arts (China) e com o Danish Maritime Museum (Dinamarca). [Wikipédia]
Atualmente o museu apresenta duas exposições  que fazem parte das comemorações do Aniversário de 450 anos da Cidade do Rio de Janeiro:
  • Kurt Klagsbrunn, um fotógrafo humanista no Rio (1940-1960);
  • Rio – Uma paixão francesa.
Ambas de » 14/04/2015 a 09/08/2015.

Dama acompanhando a corrida no Jockey Clube.
Rio de Janeiro, 1945
Kurt Klagsbrunn foi um austríaco que teve que fugir da ascensão do totalitarismo na Alemanha Nazista. Chegando ao Brasil sem profissão encontrou na câmera a sua vocação. Tornando-se assim um dos maiores fotógrafos da primeira metade do século XX. Registrando a vida no Rio, foi capaz de revelar aspectos da vida carioca que só a total entrega seria capaz de revelar. Teve várias fotos publicadas na importante revista americana LIFE.  
Os curadores são: Marta Klagsbrunn, Márcia Mello, Paulo Herkenhoff, Susane Worcman, sendo coordenados por Victor Hugo Klagsbrunn, sendo este sobrinho do fotográfo. A coleção de TODAS as fotos foram doadas ao MAR, desta forma ele se consolida como a primeira coleção de imagens de Klagsbrunn .
Teve grande envolvimento com a União Nacional dos Estudantes (UNE), foi fotógrafo do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e registrou Luiz Carlos Prestes recém saído da prisão. Todo esse processo histórico sendo registrado pelas suas lentes.
Engraxate na Cinelândia, com o extinto Palácio Monroe ao fundo
Gostaria de destacar a sessão Antropologia da Vida Cotidiana no Rio, onde ele registrava as condições do desenvolvimento urbanístico e social do país, já que vindo de uma pais de capitalismo avançado tinha grande interesse pela evolução da tecnologia dos meios de produção do Estado do Rio de Janeiro.  Assim além de jornalista, artista, ativista ele acumula mais o título de historiador visual.
Rio, uma paixão francesa, revela um Rio, mas sua paisagem é o Rio captado por lentes onde seus particulares pontos de vistas são provenientes dos acervos das mais respeitadas instituições francesas – Centre Georges Pompidou, Maison Européenne de la Photographie (MPE), Société Française de la Photographie e Musée Nièpce . Sendo assim diversos os enfoques das câmeras, que apresentam 75 fotos, de diversos artistas.
Vincent Rosenblatt, 41, vive no Brasil há 12 anos
 e e registrou mais de 400 bailes.
As duas exposições encontram-se frente a frente no 1º pavilhão de exposições do MAR. Vale a pena da uma conferida em ambas, já que podem direcionar o expectador para uma reflexão sobre a paisagem da cidade do Rio. Sendo as transformações e a grande efervescência cultural, consideradas marcas daquela que ainda é considerada por muitos a Capital do país.

Fotografia da série “Surfistas de trem”, de Rogério Reis.
Há então uma boa oportunidade para todos aqueles que estão interessados em fotografia e na História do Rio de Janeiro. Ambas exposições estão com um belo projeto curatorial, embora a do Kurt esteja alguns passos à frente. Conseguiram possibilitar uma total imersão no trabalho e na vida do fotógrafo, cruzando com isso o registro muitas vezes leve do artista.
Começando com o escuro da sua fuga para o Brasil e concluindo com o belo par de fotografias do Poder, onde capta a proximidade das manifestações dos  anos pré JK, contrapondo com a distancia forçada da "Nova Capital do País", onde isolada o povo não ambiciona alcança-la. 

Links:
Mar: http://www.museudeartedorio.org.br/

PS: para quem ficou curioso, segue fotos daqueles museus que perderam o título para o projeto arquitetônico do MAR. 



Zhujiajiao Museum of Humanities & Arts (China)

Heydar Aliyev Center (Azerbaijão)
New Rijksmuseum (Holanda)
Danish Maritime Museum (Dinamarca)