A apatia é a falta de emoção, motivação ou entusiasmo. É um termo psicológico para um estado de indiferença, no qual um indivíduo não responde aos estímulos da vida emocional, social ou física.
O "Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde", de Luís Rey, registra a palavra apatia como termo psiquiátrico, com a seguinte definição: "Estado caracterizado pelo desinteresse geral, pela indiferença ou insensibilidade aos acontecimentos; falta de interesse ou de desejos".
Apatia provém do grego clássico apatheia. Páthos em grego, significa "tudo aquilo que afeta o corpo ou a alma" e tanto quer dizer dor, sofrimento, doença, como o estado da alma diante de circunstâncias exteriores capazes de produzir emoções agradáveis ou desagradáveis, paixões. Assim, apatheia tanto pode significar ausência de doença, de lesão orgânica, como ausência de paixão, de emoções.
Nos focaremos no texto "Educação após Auschwitz", de Theodor Adorno, que trata do tema da apatia disseminada por meio da educação. Neste texto Adorno coloca como como guia da educação, a premissa "Que Auschwitz não se repita". Durante a segunda guerra mundial milhares de pessoas foram mortas em campos de extermínio nazistas. A segunda metade do século XX, por sua vez, teve inúmeros intelectuais que buscaram entender tal episódio, se questionaram sobretudo como após tantos séculos de "civilização", uma ciência que pregou a evolução como força motriz da humanidade, origina o aniquilamento de milhares de pessoas, que privadas de sua liberdade, suas vidas, tiveram sugados de si, até mesmo o resquício de humanidade.
Segundo Adorno, seria preciso buscar as condições de possibilidade de existência, e principalmente de difusão e adesão a uma ideologia como a nazista. Assim, o questionamento deve ser direcionado ao processo de formação da mentalidade nazista, uma profícua análise de como a apatia se instaurou em grande parte do povo alemão.
O mundo administrado, burocratizado, compreende as pessoas como parte integrante de uma máquina, uma simples engrenagem, necessária, porém, passível de breve reposição. As vontades e desejos particulares são dissolvidas no meio social, vamos nos adequando e negando os nossos desejos primordiais (tema bem explorado por Judith Butler). Desde o nascimento, podemos perceber a forma como as crianças são impelidas a adequação às normas. Adorno diz:
Quanto mais densa é a rede, mais se procura escapar, ao mesmo tempo em que precisamente a sua densidade impede a saída Isto aumenta a raiva contra a civilização. esta torna-se alvo de uma rebelião violenta e irracional.
Desde a mais tenra idade vamos adquirindo confiança nas autoridades. Logo nos primeiros anos, aceitamos como senhor absoluto da verdade nossos pais. Aprendemos que questionar suas ordens é motivo para represália, a primeira figura de autoridade são os pais, seguidos de professores, e assim sucessivamente, o que ocasionaria uma transferência de responsabilidades, já que estas geralmente são transferidas a outrem.
Deveríamos, segundo Adorno, nos focar nos problemas da educação infantil, assim como da epistemologia. Nos primeiros anos da vida escolar, aprendemos o nosso lugar no mundo. Como comportar-se, como falar e em última instância, busca-se formatar até mesmo nossas sensações, proibindo e promovendo usos corporais. A escola vai nos formatando, e a partindo dela, aperfeiçoamos e colocamos em prática muitas lições recebidas sobre civilidade. Ainda que uma criança seja bem acolhida em seu lar, ao ingressar na escola, o processo de compreensão do sujeito começa a se dar a partir do olhar do outro, possibilitando a compreensão de si comparando-se com outros, dai surge a percepção de que é mais baixo que outros da mesma idade, caminha de forma diferente, ou até mesmo seu timbre não corresponde ao dos colegas. A escola é o local onde todos os defeitos estão sobre o risco iminente de apontamento, coerção que gera uma auto-vigilância, e coloca a criança na direção do máximo esforço para "se enquadrar" e ser simplesmente mais um dissolvido na massa.
Por meio da dialética do esclarecimento, os referenciais teóricos, sociais e históricos devem guiar a nossa existência em direção a resistência a massificação da coletividade. Quando os costumes tornam-se violência, a violência torna-se banal. A educação não pode se basear na em processos de força e dominação, esse modelo de educação apenas suprimiria a espontaneidade, visando disciplinar as mentalidades.
Deve-se então se questionar acerca dos processos identitários em formação, lançar a questão já inicia um processo de elucidação sobre a temática. Ao questionar, quebramos a naturalidade, de que a ação é natural. Gerando uma dúvida sobre a gênese da apatia, é dado o primeiro passo para sua erradicação e supressão. Desnaturalizar o banal, problematizar o cotidiano, usos, saberes, práticas.
Os jovens são lançados ao processo de incorporação tecnológica, Adorno já havia advertido que a técnica havia tornado-se um fim em si mesma, hoje em dia não é necessário uma motivação para o consumo desenfreado de tecnologia, sua velocidade de reposição ou troca cresce exponencialmente. A aquisição só adquire valor se atrelada à exposição. É a premissa cartesiana às avessas, invertidas em Compro Logo Existo.
Adorno destaca ainda o que chama de lonely crowd, ou multidão solitária. Texto publicado originalmente em 1967. Os jovens, mais facilmente são diluídos nesta grande sopa que é nossa sociedade contemporânea. O desespero por exposição vêm saciar a inanição de momentos autênticos, onde o eu estava colocado como centro da ação. A interação perpassada por aplicativos, jogos, redes sociais, e outros simuladores de relações ou pretensos facilitadores de contato humano, criam a ilusão de uma realidade expandida, mas ao fim de horas de interação com centenas de pessoas, o que resta é a complicada observação do Eu, que enquanto se vê nú, diante do espelho, percebe que está condenado a interagir consigo mesmo, e nessa condenação, se volta pra tela novamente.
O outro é sempre um outro, e essa demarcação aumenta os níveis de indiferença, e nos aproximamos da premissa do Marquês de Sade, que afirma que, "a maior dor infligida a outrem não tem o poder de causar o menor desconforto em nós, logo é preferível enumeras torturas ao outro do que simples cocegas que incomodem nosso sossego".
As pessoas cobram o amor dos outros, cobram promessas de um tempo já passado, buscam sentimentos e desejos que elas mesmas são incapazes de cultivar. A individualidade suprime a capacidade de entender o outro, gerando uma conjectura onde todos querem ser desejados, mas não se dispõe a desejar. Para tentar escapar desta aporia, o primeiro passo seria tomar consciência da sua própria frieza, reconhecendo a apatia, não negar seria o inicio de sua extinção. A responsabilidade de si, se origina na auto-reflexão, guiando em direção ao reconhecimento da falta do outro e de si.
Ao se entregar as autoridades, as estruturas da cultura, as pessoas abrem mão de sua própria pessoalidade, abrem mão da capacidade de agir como humanos, livremente, guiado não apenas por externalidades, e sim refletindo e se moldando ad infinitum. O agir e o pensar livre, não se condicionar ao olhar e opinião do outro. Questionar a educação e pensar novos parâmetros de formação é uma emergência de nossa cultura ocidental. Problematizar a apatia, e propor novas relações e formas existenciais são condições de germinação de uma nova forma de existir. Educação e esclarecimento devem andar de mãos dadas para se chegar a uma emancipação do pensamento e restauração da capacidade de compreender. Adorno e sua atualidade são surpreendentes.
Finalmente, o centro de toda educação política deveria ser que Auschwitz não se repita.
Bibliografia:
ADORNO, T. W. “Educação após Auschwitz”. In: Educação e
Emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2003. p. 119-138.
SADE, M. A filosofia na alcova. São Paulo: Iluminuras, 2003.