11.21.2016

O verso da face




Cao Guimarães vive e trabalha em MG, foi indicado ao Pipa 2014 e possui em seu portfólio peças em coleções  como a Tate Modern (Reino Unido), o MoMA e o Museu Guggenheim (EUA), Inhotim (Brasil), dentre outras. Participou de Bienais e, recebeu o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia da Funarte em 1993. 

O tema do desgaste da imagem anda desgastado. Desde Andy Warhol essa temática vem sendo utilizada por variados artistas,  em múltiplos suportes. Compareci a uma abertura de exposição, como qualquer outra. Enquanto estudante de História da Arte, minha rotina se divide entre algumas aberturas de exposições no interesse de manter atualizado o circuito de galerias e artistas representados por estas. Minha surpresa na última semana é oriunda da exposição Retroatos de Cao Guimarães na Galeria Nara Roesler.  Um fotógrafo capturava imagens dos rostos dos visitantes, com a intenção de divulgar a abertura da exposição na internet, me senti incomodado com o fato de entre fotografias que não revelavam faces, faces sendo capturadas para exposição posterior, almejando a soma de capital simbólico alcançado pela exposição de determinados atores.


Embora o tema inicialmente não tenha me chamado atenção, pouco a pouco as imagens dispostas nas paredes começaram a me capturar. Em tempos de Black Mirror, pós verdade e instagram talvez o tema da  difusão exacerbada ainda deva ser abordado pelas artes, pois o que seria do circuito artístico atual sem a difusão em massa das imagens de trabalhos. O compartilhamento e a visualização instantânea nos guia em direção a uma apatia das faces e dos corpos de uma forma que acredito muito peculiar. Entre as 18 fotografias da exposição, nenhum rosto se revelava diretamente, porém, o mistério da face não presente capturava ainda mais a atenção de todos os presentes. 

 A inversão do rotineiro e a captura da atenção, talvez essa ironia seja o maior trunfo de Cao Guimarães. 



Me deparei com a noticia de que pesquisadores americanos estão desenvolvendo um aplicativo para ajudar a reduzir o número de pessoas que morrem tirando selfies, já que um estudo aponta que 15 pessoas morreram por causa de selfies em 2014, 39 em 2015 e 73 nos primeiros oito meses de 2016. Atingimos um ponto, no qual a simples composição e exposição de um rosto não atrai o olhar do outro, olhar que adquire uma importância cada vez maior, devido a tamanha relevância que o olhar do outro adquire na nossa compreensão de mundo. Assim vale tudo na tentativa de expor algo além do banal já presente. Nesse fluxo, Cao Guimarães não colocou em risco a vida de ninguém, mas ao expor o verso do  comum criou obras que interrogam o espectador acerca do real interesse de expor. Retroatos podem fazer uma alusão direta a retroalimentação de nossa subjetividade, que se molda partindo de uma busca desenfreada pelo fora do comum. 




Talvez haja uma grande dose de deboche nessa série, onde olhamos para o verso, indo no contrafluxo do que já havia sido constituído anteriormente. O espectador encara o retrato, mas esse dá as costas ao olhar curioso, em certa medida como uma não importância daquele que olha, que ao olhar pro outro enxerga a si mesmo.  Esse jogo criado pelo artista demonstra a confusão de nossa época, onde se busca algo com tamanho afinco, e nesta busca se extravasa os limites alcançando o seu contrário. O que inicialmente encarei como um tema já desgastado, acabou me guiando em direção à reflexão do presente. Retroatos, não é um tema já ultrapassado, e sim um tema que retorna com uma nova presença, indo muito além do desgaste evidenciado por Andy Warhol e imerso no presente nos coloca em contraposição com internalidades vergonhosas. 


Mateus Souza, Aldones Nino e Manoel Pinheiro


17/11/2016 - 21/01/2017

Cao Guimarães: Retroatos 

Curadoria: Ricardo Sardenberg

Galeria: Nara Roesler