5.27.2015

A Sociedade Pós-orgiástica e o Aprisionamento do Eu

Sorrowing Old Man.  Vincent van Gogh, 1890.
Filosofia, História da Arte, Literatura. Talvez todas sejam apenas um penhasco, sobre o qual eu encaro a profundidade da existência, sem coragem de me jogar, sem ânimo para ir em outra direção. Essa imensidão apresentada é sentida na carne. O passado apresenta alguns atos, mas a ação do presente se esvai. Entre tantas teorias a prática perdeu utilidade. Todo o niilismo se presentifica novamente.  
Há uma gama de estudos das mais diversas áreas que repensam e problematizam a nossa vivência contemporânea, não oferecem uma real saída, o diagnóstico está confirmado. A ascenção do racionalismo que trouxe a primazia da razão, em nada nos ajudou na real fruição da existência.
Conheço as mais variadas teorias, li inúmeros autores, mas no fim o sujeito sempre está só. A prática da real vivência no mundo é solitária. As sociedades modernas encaram um poço. O problema não é teórico, está dado, presentificado, basta o mais simples exame que todos conseguem enxergar. A sociedade pós-industrial encontrou um muro, o progresso segue (pula, destrói, constrói), mas a sociedade enquanto conjunto de seres fica estagnada.
O pequeno intervalo que temos de imersão na temporalidade é gasto na busca de prazeres fortuitos. As lágrimas podem chegar nas mais improváveis horas do dia. O sucesso suga a nossa energia vital. A produtividade seja ela nos mais diversos âmbitos nos mata. A busca... sempre a busca. Não quero falar de Schopenhauer, não quero levar esse escrito na direção de um referencial teórico.
Busca-se ligações afetivas desinteressadas, algo que fuja do vazio e ofereça vivacidade em meio ao concreto frio. A existência se resume a luzes acesas na madrugada, onde aqueles que alcançaram o tão almejado sucesso choram. O sucesso pode ser alcançado, mas sem um direcionamento do que fazer com tal objetivo este é um ganho nulo.
Summer Interior. Edward Hopper, 1909.
A lógica produtivista cegou o homem. Entretenimento alienado se confunde com todo o resto. A única saída é……… Não ofereceria uma saída, por não me julgar capaz, e também não acredito que alguém o seja. Há diversas teorias que ocuparam lugar de destaque na história do pensamento humano, há tantos séculos nada respondeu, e a busca ainda continua. A teorização que se apresenta aos homens do século XXI em nada amenizou a existência daqueles homens do século precedente, então qual motivo de nos apegarmos a elas ainda hoje?
O homem se perdeu com sua capacidade de racionalizar. A razão não foi capaz de oferecer uma resposta final. O problema pode estar em se colocar essa questão, a razão impulsionou muitos homens na busca de sentido, na logicidade da vida. A razão é o que nos possibilita postular tal questão. Essa questão sem resposta -ao menos pelo viés da racionalidade- nos direciona em busca de algo que talvez não exista. O razão é responsável por postular uma questão que nem ela sabe responder. Todas as respostas finais oferecidas nos coloca no âmbito da crença. De que adianta uma razão que só serve para nos direcionar à uma questão que mais causa desconforto do que conforto.
Abrir mão dos cânones do conhecimento cientifico é uma tarefa que talvez não caiba na esfera social, já que está é totalmente organizada de acordo com a racionalidade. O sujeito particular é controlado por essa organização já imposta desde seu nascimento. Somos impelidos a uma ordem que não acordamos, e caso o enfrentamento seja colocado como uma saída possível, ele seria calado pelas forças da ordem exterior.
Menina Triste. Morteza Katouzian, 1986.
Preso! Esse o sentimento do sujeito. Sua situação dada, e sua racionalidade construída visam trancar o homem, desta forma o social e o racional o trancafiam. Corpos dissidentes por sua vez são suprimidos, já que a incitação a quebra de regulamentos ameaçam a ordem. Somos construídos com base em uma razão vertical, e só pensamos sobre a razão com as categorias dela mesma. Mais uma vez afirmo não querer cair na teoria, Kant e os juízos sintéticos à priori não bastam.
Em meio a esse turbilhão de obrigações, legislações, deveres, metas e costumes o homem continua vivendo. Cabe então a esse sujeito lançado em meio à uma ordem já imposta se arrastar por meio da escala temporal e espacial. Assim nos sujeitamos a empregos que não queremos, vidas que não gostamos. A vida nos leva. A vida nos leva. A vida nos leva? Somos levados, seja por famílias, empregos e diversos outros fatores externos que não nós mesmos.
A total perda de sentido nos levou a isso, lúcidos, porém tristes. Dividimos o átomo, mas as dores são indivisíveis. Muitos isolados em seu mundo particular conversam de verdade apenas consigo mesmo, já que dividir dores e pensamentos é uma tarefa difícil. O outro é uma mascara disforme, e ao apresentar uma forma logo se desfaz e descobrimos que nada sabíamos.
Isolado, solitário e empurrado nos encontramos aqui. Talvez a internet seja a personificação do isolamento. A conexão não é real, desligamos a tela, abaixamos o volume, mudamos de páginas. Relações de um clique. A máquina é mais fácil de lidar, mais previsível e controlada. Lidar com o virtual é mais simples. O vazio se torna mais suportável. Preenchemos o tempo que nos resta na tarefa de encontrar no frio de uma máquina algo que nos aqueça.
Ao desligar o monitor só silencio, voltamos as paredes frias, apagamos a luz e caminhamos mais um dia em direção a vida que não nos foi escolhida. Lançados em situações impares temos a ilusão de criar nossa história. Pensar sobre essa questão é complicado, já que a auto-reflexão machuca. Encontramos na nossa história várias histórias, mas os autores são externos na maioria das vezes, direta ou indiretamente.
Stormy Weather. Jan Saudek, 1985.
A fase da sociedade orgiástica já se foi, hoje estamos nos lençóis mal arrumados deixados por ela onde o entusiasmo se esgotou. Nas festas muitos bebem para aguentar os olhares, rostos e piadas. O torpor do álcool torna a tarefa menos árdua. Esquecimento... saímos na noite em busca de esquecimento do cotidiano, fuga através de uma situação impar. Todos se entregam a essa atividade, mas ao retornar pro quarto o espelho grita sempre a mesma coisa, a mesma mensagem. Ao encarar-se só se enxerga o outro, e o outro na medida em que se olha me vê, assim formamos um grupo, onde estou no outro e não em mim. E o outro não está nele, pois se vê em mim. E assim ninguém está realmente aqui.  Somos uma sociedade espectral.