5.17.2015

O Baile

Era uma bela noite de verão, a lua reluzia sobre a planíce que se revelava por uma pequena fresta da minha cortina, porém amarrada as regras da sociabilidade eu deveria estar no baile antes das onze e após às nove. O meu colar sumiu! Aposto que está com Eugénie, ela sempre usa minhas jóias em seus devaneios lúdicos, mas não estragarei minha noite, falarei com mamãe e ela castigá a pequena. Meu penteado está impecável e o baile promete entrar para a história. Nada irá atrapalhar minha noite. Já ouço a nona badalada do relógio, a carruagem está pronta e chegarei por volta das dez caso nada inesperado aconteça.

Saio apressada em direção a carruagem, está já foi preparada. Ao entrar senti uma sensação estranha, não sei explicar, apenas sinto que algo não está no seu ritmo normal. O trajeto foi rápido, e a sensação estranha ainda permanece,  não senti um solavanco na viagem. Posso jurar que o caminho foi o mais retilíneo possível, as próprias curvas foram imperceptíveis.

A porta da carruagem é aberta, as luzes me atraem, eu subo as escadas com a sensação de que a maior noite da minha vida me aguarda. Ao olhar para trás do alto da escada vejo algo irreal, a carruagem não é puxada por cavalos. O local onde eles deveriam estar encontra-se vazio. Fecho os olhos, e peço à todas as forças do universo que revele a realidade, porém ao abrir os olhos a carruagem continua sem cavalos. O que houve? Estou louca ou a carruagem veio puxada por Harpias?

Não posso pensar nisso agora, é irreal! Não há outra possibilidade. Embora a sensação esteja clara agora, senti falta dos buracos da estrada, senti falta do barulho dos animais. O mais absoluto silêncio me acompanhou todo o tempo, o mundo perdeu sua sonoridade. Atarefada com os preparativos conversei comigo mesma todo o tempo e nem me dei conta.

O que fazer? grito e exprimo meu desespero e loucura ? ou sigo as escadas e finjo que nada aconteceu? Vou subir e pedir ajuda, aliás já estou divagando no meio da escada há alguns segundos. Subirei e peço ajuda, não devo estar muito bem. Não! Nada estragará minha noite, aposto que isso é alguma perturbação passageira, basta sentar-me um pouco que minha orientação voltará.

O salão de festas que se revelou aos meus olhos foi o mais magnifico possível, a ornamentação massageava meus olhos, os lustres podiam sustentar fadas que admiravam a beleza da cena. Sentei no canto do salão buscando me recompor para me entregar a festa, não fui de encontro aos meus amigos, aposto que me aguardam. Hoje será a grande noite onde dançarei até meus pés suarem. Mas e o som? Os cavalos?

Vou apressada ao banheiro, lá na minha intimidade sento e com a cabeça apertada por entre as mãos busco resgatar aquela sanidade que me escapa. Ao abaixar a cabeça e pressionar minhas mãos contra ela sinto a realidade voltando ao seu normal. Aperto com mais força e vejo que estou recuperada, escuto um barulho e posso apostar que na possibilidade de fitar a carruagem veria os cavalos novamente em seus lugares.

Ao abrir os olhos um assombro. Não compreendia aquilo que estava diante de mim. Pouco a pouco fui relembrando de tudo. Não queria estar ali. O baile vai começar, a banda iria tocar agora.
Lágrimas……

"Encolhida colada a parede do jardim a paciente nº 42 chora sem parar. Suas crises de choro são constantes, mesmo com a mudança da medicação. O choro aumenta e ela começa a puxar seus próprios cabelos em meio a lamúrias incompreensíveis. Os enfermeiros a medicam e o sono chega tão pesado quanto uma pena. Seu peso é aliviado pelo semblante de paz que a invade. A amarram na maca, pois nunca se sabe como ela irá despertar."

Em meio aos seus delírios ninguém imagina que ela dançou a noite toda.



Adolph Menzel, Supper at the Ball, 1878.