5.01.2015

Nova República: Uma Resenha Sobre o Processo de Redemocratização da Política Brasileira



Nova república ou sexta república brasileira é o nome dado ao período da história do Brasil que se segue após o fim da ditadura militar. Tem como característica a democratização política e estabilização econômica do país. Teve como grande marco a constituição de 1988, a sétima na história do país após sua independência, a qual encontra-se vigente até os dias atuais. Mas para caminharmos em direção a uma maior compreensão  dessa nova república, precisamos voltar alguns anos e compreender o período que a antecede, para então nos aproximarmos de uma melhor definição de nova república. Sem compreender o velho não podemos caminhar em direção ao novo, devido a isso vamos tratar de alguns pontos da ditadura militar brasileira (1964-1985). Período que culminou na nossa atual conjectura.
A Ditadura Militar Brasileira foi caracterizada pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar. Iniciou-se com o golpe militar que derrubou o governo de João Goulart, o então presidente democraticamente eleito. O regime acabou quando José Sarney assumiu a presidência, o que deu início ao período conhecido como Nova República (1985). Os atos institucionais são, por sua vez, segundo o Site do Portal da Legislação do Governo Federal: “Normas elaboradas no período de 1964 a 1969, durante o regime militar. Editadas pelos Comandantes-e-Chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica ou pelo Presidente da República”.  Sempre com o respaldo do Conselho de Segurança Nacional, esses atos não estão mais em vigor nos dias atuais.
Em 9 de Abril de 1964 é baixado o Ato Institucional número 1 (AI-1), foi o primeiro dos muitos atos que se seguiriam nos anos seguintes, ele violou alguns dos principios básicos da democracia , sendo então o início do movimento politico militar que é entitulado hoje como golpe de 64. Esse ato dava ao governo militar o poder de alterar a constituição, cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos por dez anos, demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado contra a segurança do país.
Os estudantes do país começam a ser vitimas de grande perseguição por parte dos militares, a UNB (Universidade de Brasilia) foi invadida um dia após o golpe, e o prédio sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), sediado no centro da cidade do Rio de Janeiro foi incendiado. 

Com o golpe de 31 de março, a UNE passa a ser perseguida pela ditadura militar, que incendeia a sede na praia do Flamengo.
Em junho de 1964 foi criado a SNI (Serviço Nacional de Informações), acumulavam então fichas técnicas de pessoas consideradas suspeitas, visando o controle dos cidadãos sempre sobre o pretexto de agirem em prol da segurança nacional.
O AI-2, editado em outubro de 1965 pois fim as eleições diretas para presidente e vice presidente, dissolveu os partidos políticos criados desde 1945 e instaurou o bipartidarismo, sendo assim os únicos partidos que poderiam participar das eleições seriam a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O AI-3 de fevereiro de 1966, instaura a eleição indireta para governador e vice governador, e os prefeitos passariam a ser nomeados por estes, e também convocava uma nova eleição para as esferas federal, estadual e municipal. O AI-4 editado em dezembro de 1966 convoca o congresso para votar uma nova constituição para o Brasil.
Em 26 de junho de 1968, ocorre na cidade do Rio de Janeiro a Passeata dos Cem Mil, está foi uma manifestação popular contra a Ditadura Militar no Brasil. Organizada pelo movimento estudantil, contando com a participação de artistas, intelectuais e outros setores da sociedade brasileira.
A Passeata dos Cem Mil,  26 de junho de 1968.
Essa manifestação é de extrema importância, não apenas por ser uma das maiores manifestações populares da história do Brasil, mas também por que seus desdobramentos foram muito significativos, culminando na prisão de centenas de estudantes e impulsionando a edição do AI-5. Iniciando assim o que se denomina hoje por muitos historiadores como os “anos de chumbo da ditadura militar brasileira”.
A morte do estudante Edson Luís, morto acidentalmente por uma bala perdida disparada pela polícia militar em um protesto resultou no discurso do deputado Márcio Moreira Alves, que chamou os quartéis militares de "covis de torturadores", pedindo então que a população boicotasse os desfiles de 7 de setembro. As forças armadas solicitaram a quebra da imunidade parlamentar, para instalar um processo contra o deputado, porém o Congresso Nacional não acatou o pedido.  
O AI-5 foi editado em dezembro de 1968, sendo considerado hoje o ato institucional mais autoritário do regime militar. Este ato concedia ao Presidente da República, o poder de cassar mandatos, intervir em estados e municípios, suspender direitos políticos de qualquer pessoa, dentre outros. Jornais de oposição foram alvos de censura, e muitas obras consideradas “subversivas”,  que colocavam em risco a segurança nacional, eram tiradas de circulação. Nesse período vários intelectuais e artistas saem do país e vão buscar exílio no estrangeiro.
Mais 12 atos foram instaurados até outubro de 1969, esses 5 primeiros atos que citamos aqui, foram peças chave para dar poder ao governo militar, a partir deles que o Brasil ficou tantos anos refém de um poder que sufocava a democracia e a liberdade de expressão.
Muitas coisas aconteceram que mereceriam nossa atenção entre os anos de 1964 e 1985, a economia sofreu muitas mudanças, a instabilidade era ressaltada e fortalecida pela crítica dos atores do cenário artístico cultural, que mesmo em meio a censura buscavam uma forma de reivindicar os direitos civis e clamar por justiça. Porém com o pouco espaço que temos para a reflexão aqui, vamos dar um salto na escala temporal e  partir para o Governo de Ernesto Geisel (1974-1979).
Ele afirmou que em seu discurso de posse que a redemocratização seria um processo "lento, gradual e seguro". Seu governo toma destaque aqui pelo fato de que iniciou a abertura política, diminuindo o rigor da ditadura militar brasileira, onde encontrou fortes opositores que defendiam uma linha de governo mais rígida em relação as liberdades civis. Neutralizou a tentativa de um golpe do general Sylvio Frota, principal expoente da "linha-dura",  este sendo exonerado em outubro de 1977.
Geisel foi o responsável pela extinção do AI-5. Em 13 de outubro de 1978, quando foi promulgada a emenda constitucional nº 11, cujo artigo 3º revogava todos os atos institucionais e complementares que fossem contrários à Constituição Federal. O Jornal o Estado de São Paulo do dia primeiro de janeiro de 1979 trazia em sua primeira página a notícia tão aguardada por todos: "AI- 5, agora apenas uma reminiscência".
Os anos seguintes foram palcos de grandes mudanças, os problemas econômicos começaram a se agravar, e a população ficava cada vez mais insatisfeita com o governo militar. João Figueiredo (1979-1985) sucessor de Geisel continuou o processo de abertura, foi eleito com a promessa de entregar a democracia de volta ao Brasil. Em seu governo, a anistia geral e irrestrita a todos os perseguidos políticos foi garantida, e algumas reformas políticas e econômicas foram praticadas, houve o retorno da eleição direta para governadores estaduais e a volta do pluripartidarismo..
A população encontrava-se insatisfeita com os salários baixos, falta de segurança e alta inflação. Um movimento iniciado por comícios partidários foi além das bandeiras e tomou proporções jamais vista na história do país. As Diretas Já foi um movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido em 1983-1984, tendo o apoio da intelectualidade artística brasileira.  Muitas manifestações de grande porte ocorreram neste período, entre elas uma em 16 de abril de 1984, em São Paulo que contou com a presença de 1,5 milhão de pessoas.
Praça da Sé - SP, a maior manifestação pública da história do Brasil.
Em 15 de Março de 1985,  Tancredo Neves seria o primeiro presidente civil a reger o país.Tancredo Neves foi o criador do termo "Nova República", porém, não chegou a assumir o seu cargo, devido a sua internação e posterior infecção hospitalar. Assumiu então José Sarney de modo interino.  Tancredo morre em 21 de Abril de 1985, e Sarney assume o cargo.
Em 1 de março de 1986, Sarney e sua equipe econômica, lançam o "Plano Cruzado". Sarney apelou para a população que deu amplo apoio ao plano, e entre suas medidas para conter a inflação instaurou o congelamento geral de preços. O PMDB, com a popularidade do plano, vence as eleições para governador de 1986 em praticamente todos os estados exceto Alagoas. Porém, após as eleições, em 21 de novembro de 1986 o governo decreta o "Plano Cruzado 2", com os preços sendo liberados. O plano cruzado passa a ser encarado então como uma mera estratégia política para vencer as eleições.
A democracia foi plenamente restituída em 1988, quando a atual Constituição Federal foi promulgada. O deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em 27 de Julho de 1988 encerrou os trabalhos com essas palavras:
"Essa será a Constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria [...] O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo. Viva a Constituição de 1988! Viva a vida que ela vai defender e semear!".
Os presidentes seguintes até hoje continuam a enfrentar muitos problemas relativos à inflação, crise, saúde, segurança, educação, mas assim seguimos podendo escolher quem amenizará nossas preocupações diárias e administrará nosso país. Essa resenha deixa de fora muitos pormenores dos eventos aqui narrados, porém um assunto tão denso e interessante não poderia ser esgotado em poucas páginas, arrisco dizer que nem mesmo em muitas poderíamos esgotar o assunto. Mas vale questionarmos a trajetória política de nosso país, para compreendermos o cenário atual em que estamos imersos. A Nova república e a constituição de 1988 podem ser alvos de critica, mas o importante é que podemos caminhar cada vez mais em direção à uma sociedade mais livre e igualitária e que acima de tudo respeite os direitos humanos.
As marcas da ditadura são muitas. Esses são alguns dos abusos cometidos durante o governo militar no Brasil, analisados na Comissão Nacional da Verdade (CNV), entre os vários crimes cometidos pelo governo estão: Detenção (ou prisão) ilegal ou arbitrária; execução sumária, arbitrária ou extrajudicial; desaparecimento forçado e ocultação de cadáver; realização de prisões em massa; incomunicabilidade do preso; prática da tortura no contexto da doutrina de segurança nacional; prática da tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis desumanas ou degradantes; violência sexual; violência de gênero e violência contra crianças e adolescentes; violência sexual e de gênero como instrumento de poder e dominação; homicídio como prática sistemática de violação de direitos humanos; homicídios com falsas versões de suicídios; homicídios em manifestações públicas; execuções em chacinas.
No dia 15 de Março de 2015, houve uma série de manifestações populares no Brasil, em que um número considerável de manifestantes pediam a volta da ditadura militar.
Vergonha Alheia.
Alguns intelectuais acharam alarmante o número de declarações deste tipo, já que a nossa atual constituição foi um avanço na defesa dos direitos humanos.  Renato Janine Ribeiro, um importante intelectual brasileiro, deu uma polêmica palestra em que comparava os pedidos de nova intervenção militar como propaganda nazista
, já que este período do governo foi marcado por descaso com as liberdades civis e direitos humanos. O debate é acalorado em todos os meios de comunicação.
Isso apenas ressalta a importância da discussão deste tema, mesmo hoje após mais de 50 anos após 1 de Abril de 1964. A nossa democracia necessita de cada vez uma maior reflexão seja feita sobre os eventos ocorridos nas últimas décadas para então pensarmos o cenário político atual da "Nova República" em que vivemos.
Bibliografia:
FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1997.