5.08.2015

Vermes e Deuses: O sujeito atemporal.

Esta resenha pretende tratar do livro O Queijo e os Vermes de Carlo Ginzburg (1939), este foi um historiador italiano, conhecido como um dos pioneiros no estudo da micro-história. Estudou na Escola Normal Superior de Pisa, e em seguida no Instituto Warburg em Londres; lecionou em universidades como Harvard, Yale e Princeton. Cruzei meio sem querer com uma das obras de tal autor.
Carlo Ginzburg, historiador italiano.
Sou uma presa fácil para livros, me atraio por títulos, capas e afins. O título me pareceu curioso, e aproximando-me fiquei atônito com o subtítulo: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Minha surpresa não parou por ai, já que este livro se revelou uma das melhores leituras que tive nos últimos anos. Desde a época que estudava filosofia me interessava pelos discursos do século XVIII, sempre chamando a atenção por seu confronto com forças sociais tão poderosas na época. Meu preferido foi o Marquês de Sade, que com toda sua ousadia desafiou diversas forças sociais e pagou um alto preço por isso. Agora me vejo arrebatado por uma fascinação talvez até maior que a exercida pelo Marquês.
No século XVIII posso citar inúmeros autores que munidos de coragem enfrentaram o poder do clero, o próprio Marquês que sempre cito pagou alto preço por desafiar forças politicas poderosas. Em o queijo e os vermes nos é apresentado Domenico Scandella,  também conhecido por Menocchio, este foi um moleiro  que nos é conhecido por meio do processo inquisitório que o condenou, nascido em 1532 teve a audácia e impeto de debater os dogmas da igreja católica com o próprio inquisidor.
O autor nos adverte várias vezes para não nos determos na singularidade de Menoccchio, ainda assim vou contra seu conselho e me apego a tal figura. Não consigo me desvencilhar dos personagens, ainda mais sendo um que teve uma vivência real admirável, ele era nas palavras do autor:
[...] só um moleiro autodidata. Sua vida transcorrera quase exclusivamente entre os muros da aldeia de Montereale. Não sabia grego nem latim (no máximo alguns fragmentos de orações); lera poucos livros, em geral por acaso. Desses, mastigara, triturara cada palavra. Ele os ruminava durante anos; durante anos palavras e frases fermentaram em sua cabeça (p.57).
A singularidade de tal homem se revela na medida em que ele séculos antes vai onde Jean Meslier, o padre ateu, apenas sonhou, o debate de ideias que o Marquês fazia por meio da sua pena Menocchio faz com saliva e suor. Interrogado, acoado, reage como uma fera ameaçada. As sua plena convicção em defender uma materialismo de fundo humanista o torna uma figura central para repensarmos o que foi a idade média.
A micro-história nasceu junto com o resgate da história de Menocchio, um novo gênero historiográfico foi iniciado focado nas temáticas ligadas ao cotidiano de comunidades específicas. Uma análise que utilize essa metodologia depende sempre de uma exploração exaustiva das fontes, possuindo uma descrição etnográfica e se preocupando sempre com uma narrativa histórica. Mesmo sendo diferenciada de uma narrativa literária, já que se apóia em fatos, Ginzburg consegue mesclar com grande originalidade os fatos históricos que fundamentam suas teses.
Nesse método é revelado uma vida singular, não apoiada em personagens históricos já com um papel pré-estabelecido. O comum passa então a ser alguém com algo a dizer, a multidão não dissolve mais o sujeito. O moleiro torna-se porta voz, seu discurso é analisado e esmiuçado na busca de aspectos que revelem as mais amplas questões. Com a micro-história uma nova vertente é apresentada à historiografia, assim as ferramentas e métodos para conhecimento do grande processo histórico dos qual fazemos parte se amplia.  
Menocchio falando sobre vermes e ontologia divina foi condenado a fogueira, defendendo suas ideias ele ansiava apenas debater claramente dogmas eclesiásticos e encontrou condenação e incompreensão. Hoje ele encontra-se como uma figura conhecida por muitos, indo muito além da vila em que viveu. A história nos resgata tal homem, e de forma atemporal nos apegamos e imaginamos como seria estar em tal lugar. O sujeito que tinha uma localização demarcada geograficamente e temporalmente vai além dessas categorias e o presentificamos aqui, através do nosso discurso.
Publicado originalmente em 1976 o livro foi um sucesso mundial e traduzido para várias línguas alcançou diversas edições. No Brasil foi publicado pela Companhia das letras em 1987, e hoje encontra-se em várias livrarias por um preço acessível em sua versão de bolso.