5.16.2015

Wölffin, Conceitos e Arte.

Heirich Wölfflin (1864 - 1945) 
Heirich Wölfflin foi um escritor, filósofo, crítico e historiador da arte suíço. Sua formação se deu em Basileia, Munique e Berlim. Em Basileia foi aluno e discípulo de Jakob Burckhardt. Wölfflin foi um dos mais influentes historiadores da arte do século XX. Autor de livros consagrados, tais como publicados no Brasil:
A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
Foi seu propósito dar relevo ao conteúdo artístico do classicismo italiano. A publicação da obra, em 1899, trouxe uma nova exigência de rigor metodológico e provocou a transformação dos estudos sobre a arte.
Conceitos Fundamentais da História da Arte.  São Paulo: Martins Editora, 2001.  (Publicado originalmente em 1915)
Com a publicação do livro, o autor conclui um trabalho de vários anos, inúmeras vezes recomeçado. Os pensamentos e reflexões esboçados cerca de trinta anos antes encontraram sua forma definitiva nesta obra amadurecida, verdadeiramente clássica. Teve início, então, prolongando-se através das décadas, o efeito direto das idéias de Wölfflin nas ciências e na opinião pública em geral. Os Conceitos Fundamentais influenciaram e determinaram decisivamente as ciências do espírito e toda a atividade artística.
Renascença e Barroco. Cidade (?): Editora Perspectiva, 2012.
Este livro trata-se de uma análise crítica que busca apreender a essência do processo estilístico que se operou naquele contexto. E os resultados obtidos por H. Wölfflin em Renascença e Barroco foram de tal ordem que não só se tornaram uma referência bibliográfica indispensável, como geraram conseqüências teóricas que estão na raiz de toda a discussão moderna sobre a estética e os fundamentos da arte renascentista e barroca. 
Proponho um exercício: As imagens que ilustram esse post devem ser observadas cuidadosamente, e após o fim da leitura nos comprometemos a voltar e observar novamente as imagens, mas nesse segundo olhar buscaremos observar as imagens buscando a presença dos pares conceituais apresentados. 
Uma de suas maiores obras é Conceitos Fundamentais da História da Arte. Ele inicia o livro tratando sobre a origem do “estilo”, e com base nisso ele vai elencando o que seria então o “estilo”, a “maneira” do artista. Simplificando o termo seria o substrato que se revela na obra conforme uma regra generalizada. Existiram então não apenas um estilo ligado a um movimento, época ou país e sim uma interposição de estilos, todos presentes na mesma obra.
Rubens: As consequências da guerra, 1637-38. Palazzo Pitti, Florença.
O estilo do artista pode ser vislumbrado por meio de sutilezas que escapam as generalizações mais gerais, elencando uma série de artistas clássicos ele ressalta os detalhes que vão para além da técnica e da iconologia da época. A natureza não seria representada sem uma pitada de particularidade de cada autor. Por meio da análise de imagens ele confirma suas teses, sempre apoiado em obras clássicas.  Um mesmo modelo de natureza seria capaz de revelar infinitos estilos particulares, assim o olhar e a paixão de cada artista traria um caráter de singularidade a obra.


Fra Angelico: Anunciação, c. 1440. Museu Nacional de São Marcos, Florença
Segundo ele há uma “visão especial do pintor que se expressa através das suas obras” (Wolfflin, 2001. p. 4). O humor do artista é encarado como participante no processo de criação, assim atuando lado a lado com a técnica empregada. Ao lado do estilo pessoal que seria aquele singular de cada artista é possível localizar também o estilo de uma escola, país ou povo. Vale ressaltar que esses diferentes estilos se alocam na obra de forma  harmônica, não se contrapõe, todos os estilos presentes são importantes para a totalidade da obra.
Rembrandt: Lição de anatomia do Dr. Tulp, 1632. Mauritshuis, Haia.

Wolffin reconhece um dos principais problemas dos seu esquema, a adequação ao modelo é primordial, assim são consideradas apenas as premissas generalizadoras, já que no modelo só cabe algumas caracteristicas gerais.  Ele mesmo diz que, sem a possibilidade de generalização essas considerações não teriam valor (Wolfflin, 2001, p. 10). Ele dá exemplos em que são apresentados três tipos de estilos, e todos eles tem em comum a característica da EXPRESSÃO, seja ela individual, de uma época ou de uma nação.  
A originalidade de sua concepção de Renascimento e Barroco se dá pelo fato de que ele não busca dar primazia à um ou outro. Ele reconhece que ambos tem suas especificidades e um não decorre do progresso ou degeneração do outro. Ele nos diz:

[...] o importante não é mostrar a diferença entre os dois, e sim explicar como ambos, tendo percorrido caminhos diferentes conseguiram legar à humanidade uma arte grandiosa. (Wolffin, 2001, p. 14)

O estudo dele se voltará então para formulação das formas gerais da representação. Essas formas seriam o elemento a partir do qual a beleza ganhou forma. Assim ele já distancia suas premissas de escritos estéticos, já que essa não é focada na beleza e sim nos elementos de sua forma. A arte recente qual ele busca essas categorias para “legitima-lá” é o barroco, pois é no período que ele redige seu texto que o barroco vem ganhando espaço e deixando se ser mera decadência do renascimento.  O autor se posiciona então contra a concepção até então vigente de Eclosão/Apogeu/Decadência, legando a esta apenas um lugar secundário e desprezível.
Parmigianino: Madonna do pescoço longo, 1534-40. Uffizi.

Após essas premissas iniciais ele afirma que o barroco não é decadência nem aperfeiçoamento do renascimento, o barroco é uma arte totalmente diferente. Assim ele distancia o barroco do renascimento, para então dar um lugar próprio ao estilo na História da Arte. Ao colocar o barroco lado a lado com o renascimento como um estilo único ele pode comparar os dois sem sobrepor um ao outro, como era comum na historiografia anterior a ele.
Ele aplica então pares opositivos, aos quais reduz a alguns conceitos ao seu ver fundamentais da história da arte. Esses pares de conceitos são cinco e se dividem em:
Linear e pictórico;
O linear clássico se ligaria ao contorno bem delineado das formas, podemos definir onde cada figura começa e termina sem problemas. É possível “recortar” cada forma com uma tesoura mental. No pictórico barroco a imagem parece não ter limites, são pouco claras em questão aos contornos das formas, assim a sua separação de elementos é desfocada.  Segundo ele “No primeiro caso o interesse esta na percepção de cada um dos objetos materiais como corpos sólidos, tangíveis; no segundo, na apreensão do mundo como uma imagem oscilante.” (Wolffin, 2001, p. 19).
Plano e profundidade;
Na arte clássica uma imagem tem sua forma criada a partir de uma sobreposição de planos, que quando colocados em sequência formam a integração total da composição. O plano é elemento da linha, linhas bem delineadas originam planos bem definidos. Já a arte barroca prioriza a profundidade. Os olhos relacionam os objetos sem uma justaposição, isso é inerente a desvalorização dos contornos, já que este desvaloriza consigo os planos, assim o olhar não define a imagem em planos justapostos. Isso não é qualitativo, é outro tipo de enfoque que não prioriza tais premissas. São representações radicalmente distantes.   
Retrato de Luca Pacioli, 1445–1517.  Gallerie di Capodimonte.

Unidade e pluralidade;
A forma clássica preza pelo delineamento dos limites, impondo uma autonomia das partes compositórias do todo. Assim é possível uma análise singular de cada elemento, embora ele seja parte de uma composição. Em uma pintura barroca existe um todo, não apenas um todo, mas o TODO. Cada elemento se encadeia com o seguinte, e como nos dois conceitos iniciais o foco é castrador na relação com a arte barroca. A pintura barroca só nos oferece a possibilidade de contemplação de todos os elementos pictóricos junto, ao isolar há apenas perda. Sendo assim o clássico seria plural e o barroco uno.
Forma fechada e forma aberta;
O desenho clássico é fechado, sempre revelando o inicio e o fim de cada tema. O barroco não é fechado tanto quanto o clássico. Toda a obra deve ser um todo fechado segundo Wolffin, o barroco possui uma forma imprecisa, não tão finita quanto à clássica.


Clareza absoluta e relativa
No barroco não há intenção de apresentar a forma em sua totalidade, se oferece pontos de apoio, desta forma composição, luz e cor não são submetidos a forma como na arte clássica, mas possuem assim uma vivacidade que permite uma vida própria a tais elementos e não a subordinação à forma. A clareza absoluta guia a obra clássica, assim revelando e delineando todos os cantos e detalhes. Já o barroco nos propõe uma névoa perceptiva.
A Coroação de Cristo, Van Dyck, 1620, Flandres, exposto em Madrid.
É fácil perceber a proximidade dos pares de conceitos de wolffin, eles agem em conjunto, são pares complementares, em que a compreensão clara de um par ajuda a compreender o próximo. Há falhas no seu modelo, é esperado isso, já que geralmente nas ciências humanas sempre que um autor se propõe a formular leis gerais acerca de algo haverá falhas. Sua intenção é propor uma história científica da arte, assim é óbvio que ele seguiria a tradição cientificista de seus contemporâneos do fim do século XIX. Categorizar, propor leis, comparar, classificar são palavras de ordem da intelectualidade de tal período.
Muito além de estabelecer um juízo sobre os conceitos wolffinianos buscamos apenas compreender sua proposta. Sua obra é um clássico que foi retomado em vários momentos posteriores da História da Arte. A leitura de tal obra se torna fundamental, já que seus conceitos são importantes e serviram para muitas reflexões sobre a arte. O barroco tem seu lugar de destaque entre estilos graças a empreitada de wolffin.  

Agora que elucidamos algumas questões referentes as formas gerais da representação sugiro que observe as obras desde o início do post e busque utilizar alguns pares dos conceitos. Dessa forma fica perceptível a aplicabilidade de tais modelos e a importância de Wolffin para a História da Arte.